Por Joana Lopo
O setor produtivo baiano amarga a elevação de 1 ponto percentual da Taxa Selic, que saiu de 10,75% para 11,75%, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) e divulgada nesta quarta-feira (16) pelo Banco Central. Essa foi a maior alta desde abril de 2017. Com essa decisão, especialistas já alertam para uma estagflação (situação em que ocorre simultaneamente a alta de preços, aumento de desemprego e estagnação ou recessão econômica), como ocorreu nos anos 80, quando o país passou por sua primeira grande onda inflacionária.
Para o presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba), e conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Gustavo Pessoti, a elevação da taxa básica de juros faz parte de uma série de equívocos. “São várias as consequências para a economia brasileira. A primeira delas é que isso não freia a inflação, porque neste momento não é um problema de demanda, muito pelo contrário, agora ela é causada pela pressão de oferta e não de demanda. Os custos estão sendo elevados”, explica o economista.
Pessoti diz que o cenário de alta dos custos é, entre outras causas, impactado pela guerra e pela pandemia de covid. “Já tinha uma elevação de preços em curso em função da pandemia e isso só piorou com o conflito entre Rússia e Ucrânia, que afeta diretamente na produção de bens e serviços. O segundo equívoco, conforme ele, é o fato de o país estar enfrentando um dos seus piores momentos econômicos, com uma possível estagflação.

“A elevação da Selic é uma crônica de uma morte anunciada. Já se espera um aumento na taxa de desemprego. Então você tem aumento da taxa de desemprego, um menor ritmo de crescimento econômico do PIB e, com isso, subir a taxa de juros é tudo que o empresário, que está esperando uma melhora no ambiente externo para voltar a fazer investimento, não precisa. Juros é amigão do investimento financeiro e inimigo mortal do investimento produtivo. E é justamente o investimento produtivo que faz a economia crescer. Então vira um cachorro correndo atrás do rabo”, analisa Pessoti.
De acordo com ele, ao mesmo tempo em que a economia não cresce, subir ainda mais a taxa de juros e inibir potencialmente a possibilidade de que, em um processo de fim da guerra, os empresários possam reativar economicamente seus negócios, já que a taxa de juros está extremamente alta para uma economia que precisa de mais produção, mais bens e serviços, é dar um tiro no pé.
Em terceiro lugar, o economista diz que para complicar ainda mais, como se não fosse bastante o fato de não inibir a inflação, sendo que inibiu a realização de investimento produtivo e piorou a estimativa de crescimento econômico, tem o chamado endividamento público.
“O Estado foi obrigado a fazer muitas concessões. Vai ser obrigado a fazer desonerações para tentar evitar uma disparada no preço do petróleo, da gasolina. Fazer desoneração e ao mesmo tempo elevar gastos relativos aos auxílios emergenciais vão provocar, inevitavelmente, pressões, novamente, pelo aumento do endividamento, outra consequência que as instituições já têm precificado, que é a dívida bruta do setor público. Elevada novamente, vai causar tensionamentos gerais, acarretando no que se fala: ‘olha, está atrás do grau de investimento de novo?’ A casa está desarrumada demais para pensar que é possível a gente voltar a equilibrar nossa macroeconomia”, analisa.
Por fim, Pessoti ressalta que o aumento da Selic traz muitas consequências: dificuldade da retomada de investimentos, piora do nível do endividamento público e o pior deles que é o fato de não conseguir combater a inflação porque ela não tem componente de demanda, já que é de elevação dos preços por conta dos custos que estão altos. “Será só mais encarecimento do processo de produção”, finaliza.
Sinal negativo
Da mesma opinião de Pessoti compartilha o gerente Executivo de Desenvolvimento Industrial da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Marcus Verhine, que vê um sinal negativo para a economia, sobretudo para o comércio que depende muito do crédito. Segundo ele, o consumidor está com a renda muito apertada e isso intensifica o problema.

“Existem pessoas que defendem esse aumento com base no entendimento de que vai restringir a demanda e, com isso, diminuiria a pressão inflacionária e também, ao elevar a taxa de juros, tornaria o Brasil mais atrativo para investimento de curto prazo, o que diminuiria a pressão do câmbio sobre a inflação, já que tende a valorizar o real. Mas o setor produtivo, o industrial, por sua vez, entende que há outros instrumentos para isso, porque no caso específico da indústria, a Bahia vem sofrendo há algum tempo”.
Ele conta que o patamar de crescimento de produção da indústria da Bahia é com base no ano de 2006 e que de lá para cá o setor vem perdendo a participação no PIB. “A produção nunca voltou ao nível de 2006. Ano passado, que foi um ano de recuperação da economia como um todo, a produção da indústria da Bahia encolheu 14%, então é um setor que já vem sofrendo”, disse Verhine que esperava um ano de 2022 melhor para a indústria.
Mas a elevação da taxa de juros derrubou por terra essas expectativas. Com a nova alta – a previsão é de fechar o ano em 12,75% -, isso diminui a capacidade de recuperação, já que restringe a demanda e torna o crédito mais caro.
“Acaba inibindo investimentos em ampliação e até implantação de novas empresas, unidades fabris. Isso prejudica a recuperação do setor produtivo. Outras ferramentas deveriam ser usadas, como a própria política fiscal, que poderia ser usada para diminuir a inflação, mas infelizmente só usam desse instrumento, que é a taxa de juros. Lembrando que um componente importantíssimo da inflação é o choque de oferta. Ele provoca aumento dos preços e estagnação ou recessão, que é o processo que estamos vivendo. Elevar a taxa de juros é piorar a situação”, afirma Verhine.
Encarecimento do crédito
Na mesma linha de análise segue o consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze, acentuando o encarecimento do crédito, que deixa o consumidor com a renda apertada, com mais necessidade de crédito para complementar a renda por meio dos cartões de crédito, dos carnês, do cheque especial. Para ele, com o crédito mais caro e seleto, o poder de compra do consumidor é reduzido.

Na ponta, de acordo Dietze, também é visto de forma negativa porque o empresário do comércio vai sentir esse baque do consumo, sobretudo dos bens duráveis, que precisam de financiamento de longo prazo, como é o caso do material de construção, eletrodomésticos, eletrônicos, móveis e decoração, veículos, entre outros.
“São setores que têm produtos mais caros, em que se paga em 12 até 24 vezes e que precisa de financiamento de longo prazo, já que a maioria das famílias não consegue pagar à vista. Quando a Selic aumenta, o crédito para esse consumidor vai ficar mais caro e o preço final ficará mais caro. Será que vai caber no bolso?”, questiona ele.
O lado do empresário, portanto, é tão quanto negativo, considerando que ele também precisa de crédito para renovar seu estoque com produtos novos. “O comerciante precisa comprar mais caro e, consequentemente, vai embutir no preço final ao consumidor. Então de todos os lados terá um custo de crédito maior para consumidores e empresários, isso vai chegar na ponta para os preços dos produtos não somente de bens duráveis, mas também dos supermercados e, dessa forma, toda uma economia vai sentir uma redução, com o freio do consumo. Mas é bom observar que a inflação na nossa economia é por choque de oferta e as consequências serão danosas para a economia”.