O dólar segue em queda livre. Na última sexta-feira (1º), a moeda norte americana recuou 1,94%, a R$ 4,6668. Trata-se do menor patamar de fechamento desde 10 de março de 2020 (R$ 4,6447). No acumulado do ano, a baixa é de 16,29% frente ao real. Mas, o que isso afeta o dia a dia das empresas e dos consumidores? Quais os benefícios para o país? É hora de investir na compra da moeda e planejar aquela viagem ao exterior? Para responder estas e outras questões, o BA de Valor conversou com economistas e especialistas no assunto.
De cara, vai aqui logo uma recomendação: não é porque o dólar está caindo que é hora de fazer a farra e sair comprando, viajando, investindo. Embora o real seja uma das moedas no mundo que mais teve valorização do início do ano para cá é bom lembrar que no ano passado ela sofreu forte desvalorização e foi a que mais depreciou. Então a conta ainda não fecha.
Economistas concordam que um conjunto ingrato de situações acaba com os ânimos, a exemplo do ano eleitoral, que promete levantar mais poeira no cenário econômico e, em especial, a guerra entre Rússia e a Ucrânia, que deve pressionar ainda mais os preços, principalmente de petróleo, fertilizantes e alimentos.
Por isso que o economista e educador financeiro Edval Landulfo aconselha cautela nesse momento. “Ainda é muito precoce qualquer melhoria com a queda do dólar para o consumidor final. Temos uma inflação altíssima devido à alta do petróleo e alimentos. Nossos transportes também estão com preços elevados e tudo isso vai gerar uma alta grande. Então a queda momentânea do dólar não terá efeito imediato, nem no bolso do consumidor, nem para o país. E a moeda não vai permanecer em queda. A tendência é que o real volte a desvalorizar até o final deste ano”, avalia.
Para quem quer aproveitar o momento para fazer as malas, o economista diz que ainda está muito caro. “A palavra agora é cautela. É preciso entender bem do mercado, talvez não seja o momento correto para viajar, nem para investir. Vamos esperar as cenas do próximo capítulo, ainda é cedo”, aconselha.
Investimentos estrangeiros
De acordo com o coordenador de acompanhamento conjuntural da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), Arthur Cruz, o cenário atual em consonância com a alta da Selic favorece a entrada de investidores estrangeiros. “Há a questão da matéria prima produzida no Brasil, principalmente petróleo e produtos agrícolas, como soja, algodão, café, açúcar. Isso gera mais dólar na economia, mais investimentos nessas áreas, o que acaba causando o enfraquecimento da moeda americana”, diz ele.
Com a desvalorização do dólar em relação ao real abre-se uma janela de oportunidades para adquirir a moeda como investimento, assim como bens, serviços, realizar pagamento de empréstimos e financiamentos, entre outras possibilidades.
Mas como os outros especialistas, o perito em economia e sócio da Tract Assessoria, Paulo França, disse que o momento é para se ter todo cuidado.
“A desvalorização do dólar em relação ao real é temporária. Mas se o consumidor quer comprar passagem aérea e consegue pagar integralmente no momento da desvalorização, ele terá vantagem. As empresas que têm dívida em dólar e tem recurso em caixa para fazer quitações também podem aproveitar a janela de tempo e quitar”, conta.
Importações
A valorização da moeda traz vários benefícios, como avalia o presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba), e conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Gustavo Pessoti. Para ele, a própria condição nacionalista de uma moeda, de ser considerada um ativo forte quando comparada com outras, já é de grande importância, pois faz parte da soberania nacional.
“É muito importante também para aumentar as importações, que estão relacionadas à possibilidade de aumentar a oferta de bens e serviços similares, importações de produtos de gênero alimentícios, relações internacionais de commodities. As importações vão diminuir o custo de produção das industrias, que precisam importar máquinas e equipamentos, insumos, defensivos, chips, enfim, toda a indústria que precisa importar para dar vazão ao seu processo de produção terá custo diminuído. Além disso, a importação de bens similares é importante para aumentar a concorrência, é importante para reduzir os preços domésticos”, explica.
Pessoti observa que embora tímida, a queda do dólar é boa. “Finalmente estamos falando de valorização do real, algo que não aconteceu ao longo dos quatro anos desse governo. Temos assistido há tempos uma diminuição da procura da moeda nacional e uma valorização da moeda americana também relacionada à instabilidade que o governo gera para muitos negócios. Nesse momento é importante um novo olhar para o Brasil”, afirma ele.
Mas quando o assunto é colocar o pé no mundo, o economista diz que as viagens em época de guerra não são boas opções. “Melhor esperar”, aconselha. Já em relação à balança comercial do país, ele diz que o impacto é tímido nesse momento.
“A valorização é pequena, há falta de produtos, as importações estão crescendo menos que as exportações, e isso é porque o país não está crescendo. A taxa de crescimento da economia brasileira está bem baixa. Toda a indústria está passando por um período difícil de recuperação econômica. Para impactar positivamente a balança comercial era preciso ter um crescimento econômico forte e isso não vai acontecer nem no Brasil, que deve crescer em torno de 0,5% este ano, nem na Bahia, que deve ser em 1,2%. Estamos em ritmo menos acelerado que em 2021”, conclui.
Explicações
Mas o que tem feito a moeda cair? Para Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, o dólar vem caindo bastante devido ao diferencial de juros no Brasil em relação ao exterior. “O Brasil acelerou a alta de juros antes do mercado internacional. Isso vem criando oportunidades para o investidor estrangeiro colocar dinheiro no Brasil e garantir ganhos na renda fixa” explica.
De acordo com Mariana Gonzalez, especialista em mercado financeiro do Isae Escola de Negócios, uma combinação de fatores locais e externos trouxe um forte fluxo de capital estrangeiro que contribuiu para o ganho de força do real, entre eles a alta da taxa de juros básica. “Em termos de juros, sempre fomos um país atraente do ponto de vista do investidor estrangeiro, com uma das mais altas taxas do mundo comparado aos pares emergentes. Agora, com a Selic a 11,75% e com possibilidade de ultrapassar 13% ainda neste ano, mais ainda”, diz.
Outro fator importante é o preço descontado das empresas brasileiras na bolsa de valores, que apontam grande fluxo de capital estrangeiro não só para renda fixa. “Observamos um grande interesse externo nas empresas brasileiras listadas na bolsa que estavam sendo negociadas a preços relativamente baixos, com uma das melhores relação preço/lucro desde a pandemia”, afirma a especialista. Os números positivos nas exportações também são responsáveis pela valorização do real brasileiro. “Nosso país é um grande exportador mundial de commodities, como o minério de ferro e a soja. O preço das commodities em alta e as safras recordes fizeram com que tivéssemos o maior saldo positivo histórico entre as exportações e importações”, comenta.
QUEM GANHA
- Indústria que importa peças e matéria-prima
- Empresas e consumidores com dívidas em dólar
- Produtos chineses
- Importadores
- Brasileiros que pretendem viajar para o exterior
QUEM PERDE
- Empresas exportadoras
- Empresas que produzem e vendem no Brasil
- Turismo nacional
- Poder de compra do brasileiro
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