Do dendê ao vinho, a Bahia também é a terra do chocolate. Tem até um circuito em homenagem ao alimento mais desejado do mundo. A Rota do Cacau foi criada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para fomentar a produção agrícola no sul do estado, especialmente a cultura cacaueira, que se concentra no município de Ilhéus, onde a plantação se perde entre os quase 500 mil hectares de terra preparada para produzir um fruto de qualidade e alegrar o paladar do chocólatras mais exigentes.
São cerca de 100 marcas de chocolate que saem do sul da Bahia para todo o Brasil, sendo 38 indústrias ativas, o que corresponde a cerca de 6% das unidades de produção do país, gerando aproximadamente 1,5 mil empregos diretos, além dos temporários no período da Páscoa, segundo o engenheiro agrônomo e assessor especial da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura, Thiago Guedes.
Segundo ele, o mercado de chocolate na Bahia vem crescendo anualmente. A cada ano o consumo aumenta, sobretudo dos alimentos com maior teor de cacau, com intensidade de cacau de 50%, 60%, 75%, 80%, até 100%, produtos que satisfazem e geram benefícios para a saúde. “Estudos demonstram que quanto maior é o percentual de cacau, maiores são os benefícios para a saúde. O mais saudável é o chocolate preto e mais amargo possível”, diz ele.
Com a Páscoa se aproximando, as perspectivas para o setor são de ampliação na contratação de temporários e um crescimento ainda maior, considerando que o consumo nacional já atingiu 743 mil toneladas de chocolates, em 2020, incluindo achocolatados, com crescimento médio anual de 0,8%. Na última década, as principais categorias de produtos comercializados no país, que tiveram os maiores aumentos em termos de volume, foram confeitos de chocolate (322%), granulados (208%) e barras de chocolate com mais de dois quilos (87%).
De acordo com Guedes, o consumo médio per capita de chocolate no Brasil é de 3,5 kg ao ano, sendo que a região Sul apresenta 6,8 kg ao ano, Nordeste 1,2 kg ao ano e o estado de São Paulo, que é o maior consumidor em termos absolutos fecha com 39%. Mas a delícia brasileira também anima paladares estrangeiros, tanto que o país exportou em 2021, 33.521 toneladas de chocolate.
No que se refere ao mercado baiano, a comercialização atende principalmente o mercado interno. Mas os produtores de chocolate estão avançando, tanto que já estão comercializando em eventos internacionais como o Salon du Chocolat, em Paris, e que rendeu prêmio ao chocolate 55%, que ganhou ano passado como terceiro melhor do mundo. E essa maravilha foi feita na terra adotada pelo itabunense Jorge Amado.

Na época em que o escritor contava suas histórias, lá pelo final dos anos 80, a vassoura de bruxa devastava a região cacaueira, que enfrentou a maior crise. Conforme o chefe de gabinete da Secretaria de desenvolvimento Rural (SDR), Jeandro Ribeiro, a produção de chocolate na Bahia sofreu forte impacto e só se restabeleceu décadas depois. “Aconteceu umm mudança fundiária gigante nos últimos 20 anos e a região do cacau passou por modificação estrutural muito importante. Hoje, dos 64 mil estabelecimentos que plantam cacau na Bahia, 53 mil são da agricultura familiar. Ainda precisamos somar isso aos quase cinco mil assentados da reforma agrária que têm hoje a produção de cacau como seu maior gerador de renda. Então temos uma mudança drástica do que foi nas décadas de 80 e 90”.
Ribeiro conta que a SDR tem feito investimentos significativos voltados para a agricultura familiar. “Temos em torno de 33 projetos apoiados pela secretaria envolvendo mais de 10 mil produtores de cacau da agricultura familiar e investimento que supera R$ 47 milhões, diretos para a cacauicultura. Nos últimos anos entregamos mudas de cacau através da Biofábrica de Cacau, em Ilhéus e Uruçuca. A Bahia é hoje o maior produtor de cacau, mesmo com o Pará tendo aumentado a produção. A cultura do cacau preserva o ambiente, dinamiza os municípios e tem uma importância econômica muito forte. Vamos elevar os números e qualidade do cacau. A Bahia é premiada e já é conhecida no mundo”, comemora.
Existem outras ações da secretaria voltadas para a produção de chocolate. Ribeiro disse que os projetos em curso, há três anos, vão ampliar a produção de cacau no estado, tanto que já estão em andamento nos municípios de Gandu e Teolândia. Também tem a fábrica própria, que é da Cooperativa da Agricultura Familiar e Economia Solidária da Bacia do Rio Salgado e Adjacências (Coopfesba), que fica em Ibicaraí e é constituída por 104 agricultores familiares de diversos municípios da região Sul da Bahia, que possuem como principal atividade econômica a produção de cacau e derivados como chocolate e nibs.
A cooperativa surgiu em 2010, com a marca Bahia Cacau, a primeira agroindústria de chocolate da agricultura familiar do Brasil, produzindo chocolate especial a partir do cacau fino, de origem, fornecidos pelos seus cooperados, de forma agroecológica e preservando a mata atlântica que sombreia a lavoura. “Nosso chocolate é forte e concorre com as melhores marcas do Brasil”, afirma.
Festival de Chocolate
O Chocolat Festival é um evento internacional que reúne toda cadeia produtiva do cacau para o chocolate, é o maior do Brasil e América Latina. Acontece na Bahia há mais de 10 anos, no Pará, há quase 10 anos, e já teve duas edições em São Paulo. De acordo com o organizador do festival, Marco Lessa, o evento está em processo de expansão dentro e fora do país.
De acordo com Lessa, a iniciativa é para fomentar a cadeia produtiva do cacau. “O mais importante é mostrar ao mercado o que é um chocolate de verdade, de cacau. São mais de 90 mil produtores no Brasil, a maioria é de pequenos agricultores. Temos que fazer com que a cadeia movimente, estimulando a produção de cacau de qualidade para a demanda de chocolate”, disse.

Em 2019 foram mais de 170 expositores e mais de 70 marcas. Já em 2020, em São Paulo, embora o evento tenha sido um sucesso, não reuniu muito público, pois a pandemia já causava seus danos. “A pandemia foi muito ruim para a gente. Houve uma sobra grande, e ainda foi nas vésperas da Páscoa. Tivemos um encalhe muito grande e a recuperação foi gradativa. Em 2021 foi melhor e este ano já começou bem melhor, mais aquecido. Acredito que vamos vender 20% a mais em relação a 2019 e movimentar uns 10 milhões”, prevê Lessa que pretende realizar 10 edições da feira este ano. Até 2025, o empreendedor acredita que o mercado movimente mais de R$ 200 milhões.
No Brasil, segundo ele, São Paulo é o maior mercado consumidor. No mundo, a Suíça e Alemanha lideram o consumo. “Brasil, EUA e Europa são os maiores consumidores do mundo. O chocolate tem uma ligação direta com renda, quanto maior a renda mais se consome chocolate”, observa.
Mas enquanto Sul e Sudeste comem, a Bahia produz. De acordo com o diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC), Cristiano Villela, quase todo o cacau brasileiro é processado em Ilhéus e a Bahia é um dos maiores produtores de cacau com uma das maiores áreas de produção. “Essa cadeia gera emprego, desenvolvimento social e ambiental e tem relevância na economia do estado. É uma cadeia que gera mais de 18 bilhões de reais em nível de Brasil”.
Ele disse, ainda, que o mercado de chocolate na Bahia vem crescendo muito. “Todo ano presenciamos o surgimento de novas marcas. Em 2019, fizemos um levantamento e já tínhamos mais de 70 marcas de chocolate na região. Acreditamos que essa é uma tendência que veio pra ficar, o consumo local de marcas locais tem crescido, as pessoas estão valorizando cada vez mais os produtos regionais e eles estão transpondo as fronteiras. Encontramos marcas do sul da Bahia em vários estados brasileiros e algumas delas começaram se internacionalizar, tendo Europa como principal foco”.
As previsões são as melhores para este mercado. Villela diz que a perspectiva é de um grande crescimento nos próximos anos. “A cadeia vem apoiando estratégias de fomento à melhoria contínua da qualidade do cacau brasileiro, e eu não estou me referindo a cacau premium ou fino, estou falando de cacau superior, de melhor qualidade”, afirma ele que ainda contou sobre as estratégias de estímulo ao setor, como o Concurso Nacional de Qualidade e Sustentabilidade do Cacau, que está aquecendo a cadeia produtiva.

“Produtores estão sendo premiados por fazer um trabalho diferenciado, estamos reconhecendo essas ações, gerando competitividade nesse segmento, promovendo os produtores que são premiados, mudando a forma como pensamos a produção de cacau de alto valor em nosso país. Mas esse é um trabalho longo e contínuo de transformação do ordinário em extraordinário!”, ressalta Villela.
Mas quem bem profetizou foi Pero Vaz de Caminha, quando disse que “nesta terra, em se plantando, tudo dá!”. O fruto, que era lá do Pará, desembarcou na Bahia (na época o cacau foi levado para a Bahia devido à posição geográfica estratégica, que facilitava a logística) e gostou tanto que virou a terra do cacau. Hoje, o chocolate produzido no sul do estado está ganhando os quatro cantos do planeta, porque não adianta vir com guaraná, é chocolate o que todo mundo quer comer.