A startup Solos, que completa cinco anos em 2023, nasceu da vontade de duas amigas de fazer a diferença no mundo. Saville Alves e Gabriela Tiemy se conheceram em uma organização internacional que construía moradias de emergência em comunidades carentes. Lá, elas se depararam com a realidade do lixo e do saneamento precário, que afetavam a saúde, a autoestima e a dignidade das pessoas. Elas perceberam que o lixo era um símbolo de desigualdade e pobreza, e que precisava ser enfrentado de forma criativa e sustentável.
A partir disto que surgiu a ideia de criar a Solos, uma startup de impacto que transforma resíduos em produtos de valor. Saville, que é líder de negócios e sócia da empresa, conta ao BA de Valor que ela e Gabi já tinham um estilo de vida consciente, que as levou a adotar o vegetarianismo e a substituir produtos químicos por soluções naturais. Elas queriam levar essa consciência para mais pessoas, e mostrar que era possível gerar renda e bem-estar a partir do lixo.
Assim, elas fizeram com que a Solos desenvolvesse uma tecnologia inovadora que permite transformar resíduos orgânicos em biogás, fertilizantes e sabão. Esses produtos são vendidos para gerar receita para a startup e para as comunidades onde ela atua. Além disso, a Solos promove a educação ambiental e o empoderamento dos moradores, que se tornam agentes de mudança em seus territórios. A startup já impactou mais de mil famílias em diversas regiões do Brasil, e tem planos de expandir sua atuação para outros países.
“Tinha uns 18 a 19 anos e resolvi empreender, mas no outro contexto, no contexto de movimento, propus para Gabi para a gente criar um negócio, que hoje está muito mais amplamente conhecido como negócio de impacto. A gente entendeu que existia ali a possibilidade de criar uma empresa, um negócio, com os parâmetros de gestão de uma organização privada, mas que tivesse no seu core business a intencionalidade de gerar transformação socioambiental. Então, foi assim que nasceu a Solos”, conta Saville.
Triggas
Em pouco tempo, a empresa foi selecionada para participar de um edital de pré-aceleração, a Triggas, e as duas tiveram que mudar para São Paulo.
“Esse foi pré-pandemia. Então, as relações estavam ainda muito pautadas no presencial. A gente se mudou para São Paulo. Lá, a gente ficou por nove meses participando desse programa e recebeu mentoria de altos executivos de grandes empresas, como Johnson & Johnson, Google, Spotify e Visa. Enfim, tipo gente realmente que já estava no mercado corporativo há algum tempo e tinha uma visão bem interessante de mercado. Durante esse programa nós tivemos o respaldo do Quintessa, que é uma das principais aceleradoras de negócios de impacto do Brasil, e também vivência em alguns negócios sociais ou organizações do terceiro setor, para também entender os desafios de quem estava querendo gerar transformação social”, disse.
Ao longo desses anos, a Solos já conseguiu reciclar mais de mil toneladas, e já gerou mais de dois milhões e meio em renda para cooperativas e catadores autônomos. Hoje vem atuando no modelo B2B, tendo como clientes as grandes corporações, como Ambev, Heineken, iFood, Nubank, Braskem, inclusive algumas dessas empresas já estão há quatro anos com operações com a Solos, e fazem com que seja possível implementar modelos de escalabilidade, que também permite inclusão socioprodutiva dos catadores.
“Só para contextualizar, os catadores hoje são, dentro da cadeia da reciclagem, os atores mais vulneráveis e socialmente também. Então, a gente precisa entender como profissionalizar e entender que não é qualquer pessoa que pode rasgar um saco e pegar esses materiais, mas também a gente não pode excluir essas pessoas desse processo. Nós precisamos trazê-los para dentro, trazer qualificação, trazer profissionalização, trazer uma previsibilidade em renda, conseguir distribuir e permitir que elas tenham acesso a equipamento, a material, a crédito. Esse é um pouco, também, o nosso papel”, diz Saville.
Sonho da Solos
Segundo ela, como essa é uma cadeia que está ainda muito pautada na informalidade e ainda com pouca maturidade no país, o Brasil é o quarto maior produtor de lixo do mundo, mas só recicla 4% do que gera. Com isso, a Solus acaba tendo um papel como um hub. Saville conta que a Solos tem um sonho grande de fazer a reciclagem acontecer no Brasil.
“A gente atua em três grandes frentes de trabalho. A primeira são os conteúdos, as experiências, em que a gente monta operações para trazer, despertar o interesse pelo tema da economia circular a partir de uma dinâmica de interatividade, uma linguagem leve, gamificação, uso de entretenimento, de marketing digital para estabelecer essa aproximação com o conceito de economia circular”, afirma.
A segunda frente é a gestão de resíduos em grandes eventos, principalmente eventos públicos, em que ocorre a montagem da infraestrutura do evento para fazer a coleta seletiva do evento até efetivamente fazer essa operação, essa gestão junto com as cooperativas e catadores autônomos. Por fim, a terceira frente são sistemas inteligentes de coleta.
“A gente cria operações pilotos para a implementação de sistemas de coleta seletiva em territórios, seja em partes de cidades, seja em cidades inteiras. E também, dentro desse processo dos sistemas inteligentes de coleta, a gente vai fazer toda a parte de mapeamento e caracterização do gerador, onde esse resíduo está sendo gerado. A gente cria as estratégias para prospectar e fazer com que elas passem a fazer o descarte correto junto com a gente e fidelizar para que elas se tornem promotoras. Então, que elas, além de aderirem, elas também tragam novos participantes”.
Vidro
De acordo com Saville, uma garrafa de vidro, quando ela sai e volta para a indústria, ela se transforma 100% em uma nova garrafa de vidro, diminui o consumo energético, diminui a necessidade de extração de matéria prima virgem, principalmente da areia, que é o principal ativo para a confecção do vidro, e isso acontece em loopings com todos os outros materiais.
Como exemplo, o isopor tem muita dificuldade de ser reciclado, principalmente no Norte e Nordeste do país, onde existem sistemas de transformação desse material, virando roda-pé, revestimento, bloco.
“Assim, a aplicação do pós-consumo do isopor vai principalmente para a construção civil. Já outros tipos de plástico, como a pet, pode se tornar uma nova garrafa pet. Isso varia muito o tipo de material, mas hoje a gente já consegue ter. Uma boa reciclabilidade da maioria dos tipos de materiais que são aplicados em embalagem, mas tem outros desafios ainda bastante consistentes. Estamos pensando em novos produtos para serem gerados a partir de matéria-prima reciclada e a gente ajuda a indústria a ter mais matéria-prima reciclada para ela poder fazer essas novas criações”, completa.
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