A escritora Ana Maria Gonçalves fez história ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras (ABL) como a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na instituição. A cerimônia, marcada por emoção e simbolismo, reuniu grandes nomes da literatura, das artes e da cultura brasileira, entre eles Gilberto Gil, responsável pela entrega do diploma oficial, e Ana Maria Machado, que concedeu o colar acadêmico.
Aos 54 anos, Ana Maria é também a mais jovem imortal da atual formação da ABL. Mineira de Ibiá, iniciou a carreira como publicitária em São Paulo e, após se mudar para a Bahia, dedicou-se integralmente à literatura e à pesquisa histórica. Seu romance Um Defeito de Cor (2006), inspirado na trajetória de Luiza Mahin e nos levantes negros da Bahia, é considerado uma das obras mais importantes da literatura contemporânea — e chegou a inspirar o enredo campeão da Portela em 2024, cujo figurino serviu de referência para o fardão da escritora.
Eleita para a cadeira nº 33, que teve cinco ocupantes ao longo da história — todos homens —, Ana Maria sucede o linguista Evanildo Bechara e homenageou seus antecessores, como Domício da Gama, fundador da cadeira. Em seu discurso, a nova imortal resgatou a trajetória das mulheres que enfrentaram a exclusão da Academia ao longo do tempo:
“A não admissão de mulheres foi inicialmente um acordo entre cavalheiros, já que não havia nada impeditivo no estatuto”, lembrou, citando Amélia Beviláqua, Júlia Lopes de Almeida e as pioneiras Rachel de Queiroz, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles e Zélia Gattai.
A escritora também destacou a representatividade negra e a importância de ampliar as vozes dentro da Casa de Machado de Assis:
“Durante muito tempo, o acadêmico Domício Proença Filho foi o único negro na ABL. E durante muito mais tempo ainda, a negritude de Machado lhe foi negada. Cá estou eu, 128 anos depois de sua fundação, como a primeira escritora negra eleita, assumindo o compromisso de abrir as portas ao público — verdadeiro dono da língua.”
A cerimônia teve fala da historiadora Lilia Schwarcz, que apresentou a nova acadêmica, fazendo um paralelo entre o passado escravocrata e as desigualdades ainda persistentes. “As mães que hoje choram seus filhos nas favelas são ecos das mulheres que, no tempo da escravidão, também perderam os seus. Ana Maria traz essas vozes para dentro da literatura e, agora, para dentro da Academia”, afirmou.
Entre os presentes, a atriz Regina Casé e o ator Lázaro Ramos expressaram orgulho e emoção. “É assustador pensar que só em 1977 uma mulher entrou aqui. E agora, em 2025, a primeira mulher preta”, disse Casé. Já Lázaro definiu a noite como “um ato de justiça literária”.
“Um Defeito de Cor é o livro da minha vida. A presença da Ana Maria aqui é o Brasil amadurecendo, reconhecendo talentos que demoraram a ser reconhecidos”, declarou.
A posse de Ana Maria Gonçalves representa não apenas um marco para a ABL, mas também um avanço simbólico na representatividade feminina e negra dentro das instituições culturais brasileiras — um capítulo que reflete o amadurecimento de um país que ainda escreve, com novas vozes, a sua própria história.
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