Dos 5.570 municípios, 3.432 tiveram pelo menos um registro de imigrante internacional – entre bolivianos, haitianos, cubanos e venezuelanos – entre os anos de 2000 e 2015, mostrando que há capilarização da migração no país. Os dados estão no levantamento feito por pesquisadores do Observatório das Migrações em São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), financiada pela Fapesp, que deu origem a um Atlas Temático.
Em Sergipe, por exemplo, 43 municípios registraram a presença de pelo menos um imigrante internacional no período e no Ceará, 119 municípios tiveram ao menos um registro em 15 anos. Os 8.437 venezuelanos que registraram residência no Brasil no período estão presentes não só nas regiões de fronteira, como em Roraima.
“Isso rompe com o imaginário de que a rota das migrações internacionais no Brasil passa pelas fronteiras, segue para as metrópoles, principalmente das regiões Sul e Sudeste do país, e se espalha pra outros estados”, disse Rosana Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp e coordenadora do projeto. No estado de São Paulo, dos 645 municípios, 489 registraram a presença de imigrantes. Em 2016, o número aumentou para 580 municípios.
Interiorização
A pesquisadora ressalta que a transferência de venezuelanos, que estão concentrados na cidade de Boa Vista (RR), para outras capitais está promovendo um processo interiorização. Mas o estudo já apontou que havia a distribuição dos mesmos para cidades distantes das fronteiras. Segundo ela, esse é um dado fundamental para pensar políticas sociais de acolhimento aos imigrantes, porque as ações de atendimento ocorrem no âmbito dos municípios.
O levantamento feito pelos pesquisadores, especialmente no estado de São Paulo, pode subsidiar políticas públicas que assegurem a inclusão, a garantia de direitos e o acesso aos serviços públicos por essa população. Entre 2000 e 2015, foram registrados 879.505 imigrantes no Brasil, dos quais 367.436 apenas no estado paulista. O maior fluxo migratório para o país no período foi de bolivianos, seguido por norte-americanos e haitianos.
“A maior participação de bolivianos entre os imigrantes internacionais no Brasil nos últimos anos se deve à implementação do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, em 2009, que possibilitou a documentação dos imigrantes dessa nacionalidade no Brasil”, disse a pesquisadora, explicando que a entrada pode ter ocorrido anos antes, mas que o acordo trouxe a chance da regularização.
Essa possibilidade de regularização é fundamental, de acordo com Rosana Baeninger. “Uma questão importante da transformação do fluxo do século XX para o século XXI é a documentação. Houve uma mudança particularmente em 2010 [com o visto humanitário para haitianos] e nos últimos cinco anos nós estamos falando muito mais de uma migração documentada, seja por visto humanitário, pelo acordo de residência temporária [do Mercosul] ou pela solicitação de refúgio. Isso em termos de políticas sociais e políticas migratórias é fundamental”, avaliou.
“Dotar esse imigrante de direitos, de poder estar documentado no país, tirar carteira de trabalho, poder ter CPF, dar minimamente uma cidadania para essa permanência, isso faz com que ele fuja das violações de direitos, como por exemplo de ser explorado ou ter trabalho escravo. Este é um avanço importante nas questões de imigração. Não quer dizer que elas [as explorações] não ocorram, quer dizer que se minimiza isso”, acrescentou a pesquisadora do Nepo.
Nova configuração migratória
Além disso, a pesquisa mostra que o século XXI trouxe uma nova configuração de fluxos migratórios para o país, com maior frequência e intensidade nos últimos anos. “O Brasil entra na rota das migrações internacionais no século XXI, tanto pela emigração de brasileiros como pela imigração internacional, particularmente no momento em que se fecham as fronteiras do norte – Estados Unidos e Europa. Então, esse é um ponto importante para o entendimento dessa migração, para o entendimento de que o Brasil, mesmo sem um boom econômico, continuará a receber imigrantes pela própria geopolítica internacional”, disse.
Segundo ela, esse fluxo foi intenso, por exemplo, desde a ocorrência do terremoto no Haiti em 2010. “O destino da imigração haitiana sempre foi os Estados Unidos. Eles acabaram vindo para o Brasil justamente porque as fronteiras lá já estavam muito mais restritas. Depois, as fronteiras vão se acirrando mais ainda”.
As crises econômicas e guerras também influenciam o fluxo migratório atual para o Brasil. “O contexto muda as configurações das migrações. Hoje existem migrações altamente qualificadas junto à migração de menor qualificação. A migração sempre foi vista muito mais vinculada a uma população de menor renda. E o que muda no século XXI é justamente que nós não estamos falando só de uma migração da pobreza, essa é a grande mudança”, disse.
“Os imigrantes entram agora no século XXI como mão de obra qualificada, acompanhando as empresas transnacionais. Ou, mesmo que tenham crises lá [em seu país de origem], eles são qualificados e buscam maneiras de se inserir no mercado de trabalho do Brasil, vindos de Bangladesh, do Nepal, do Paquistão, do Sri Lanka”, explicou Rosana. (Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil)