O setor agrícola se transformou nos últimos anos no motor de expansão da economia da Bahia. Os recordes sucessivos de produção e produtividade da soja e do algodão no Oeste, a fruticultura de excelência no Vale do São Francisco, o renascimento da cultura cacaueira no Sul e os grãos nobres de café que brotam do solo da região da Chapada Diamantina são apenas alguns bons exemplos que fazem, hoje, do estado, um dos principais protagonistas do setor no país. Mas, por trás de tanta prosperidade, há uma fartura de problemas e gargalos que há décadas tiram o sono dos empresários rurais: estradas ruins, falta de energia e internet, violência no campo e insegurança jurídica são apenas alguns deles. A pouco mais de quatro meses das eleições, o agro baiano – que reúne mais de 700 mil pequenos, médios e grandes produtores – se mobiliza e mostra aos pré-candidatos ao Palácio de Ondina o que espera, precisa e quer do próximo governo.
Na última terça-feira, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb) iniciou o projeto Agro em Pauta – uma rodada de encontros com os três principais pré-candidatos – ACM Neto (União Brasil), João Roma (PL) e Jerônimo Rodrigues (PT) – a fim de apresentar as demandas da agropecuária baiana aos postulantes e ouvir deles as propostas para o segmento. Na estreia do projeto, durante quase uma hora, o presidente da Faeb, Humberto Miranda, mostrou as conquistas da atividade, o impacto na economia do estado e os projetos em andamento no Sistema Faeb/Senar. Boa parte de seu discurso, porém, foi dedicado aos problemas que atormentam o setor. Literalmente, ele “colocou o dedo nas feridas”.
No período mais crítico, muitas empresas demitiram em massa e, pior, encerraram suas atividades. Enquanto isso, o agro não parou. Nós trabalhamos arduamente para garantir a segurança alimentar da população e para continuar gerando empreendo e renda
“A Bahia é um estado maravilhoso, tem um potencial fantástico. Nós temos três biomas, o semiárido mais chuvoso do mundo, a maior população rural do Brasil, conhecimento, tecnologia e as melhores terras do país em algumas regiões. O que a gente precisa são de políticas públicas e um diálogo aberto, franco e contínuo com o governo para que possamos aperfeiçoar aquilo que nós empresários, quase que de forma isolada, estamos tentando construir na Bahia. Isto faz toda a diferença para o nosso negócio”, disse.
Em seu discurso, o presidente da Faeb defendeu como ponto fundamental mudanças na estrutura da Secretaria da Agricultura da Bahia (Seagri). Em sua opinião, não se concebe num estado, cujo setor agrícola responde por 27% do PIB e mais da metade das exportações, “uma secretaria com a pequenez que a gente tem hoje, sem dinheiro, carros, técnicos e representatividade”.
O que a gente precisa são políticas públicas e um diálogo aberto, franco e contínuo com o governo para que possamos aperfeiçoar aquilo que nós empresários, quase que de forma isolada, estamos tentando construir na Bahia. Isto faz toda a diferença para o nosso negócio
Miranda entende que é preciso unificar as atividades das secretarias da Agricultura e do Desenvolvimento Regional (SDR). “Não pode ter essa divisão. O pequeno, médio e o grande produtor, todos eles, têm o seu espaço e sua importância para a sociedade. Nós propomos a unificação das secretarias, sem nenhum tipo de distinção. Que a estrutura que existe hoje na SDR migre para a Seagri. Precisamos fazer uma agropecuária única na Bahia, nada de divisão, todo mundo do mesmo lado”, assinalou.
O presidente da Faeb disse ainda que, por conta da grande dimensão territorial do estado, é preciso descentralizar as ações da Seagri. Em sua avaliação, é impossível uma Secretaria da Agricultura, por melhor e bem estruturada que seja, fazer a gestão do setor do Extremo-Oeste ao Extremo-Sul da Bahia. “Precisamos ter um modelo descentralizado. Pelo menos quatro a seis regionais da Seagri, que estejam perto dos produtores, dos seus problemas e das suas demandas, e com soluções simples e rápidas. Não dá para esperar dois anos por uma licença ambiental, não dá para pedir uma outorga de uso da água e ficar esperando outros quatro anos”, frisou.
Outro motivo de preocupação é a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), que por muitos anos foi considerada uma das melhores do Brasil em seu setor, servindo, inclusive, de modelo para outros estados, e hoje atravessa um período bem difícil. “Tive o privilégio de participar da primeira turma de fundação da Adab. Nós saíamos da Bahia para abrir agências de defesa em outros estados. Hoje, tenho que ser sincero, passamos vergonha pelo processo de desestruturação que ela [Adab] vem passando”, lamentou Miranda, que é médico veterinário de formação. “Muitos não sabem da importância da Adab. A importância dela começa pelo alimento que chega à mesa de todos nós”, disse, acrescentando que o órgão tem hoje um déficit de pelo menos 80 técnicos.
Infraestrutura e segurança
Ainda em seu discurso, o presidente da Faeb cobrou mais investimentos em infraestrutura, com a reestruturação das linhas ferroviárias do estado. Outro problema é o fornecimento de energia elétrica. Miranda contou que em algumas regiões do estado, como o Oeste, indústrias deixam de investir por falta da garantia de abastecimento do insumo. “Tem produtor de leite que não consegue colocar um resfriador porque a energia é monofásica”, afirmou, acrescentando ainda que falta cobertura de internet no campo. Ele também cobrou esforços do governo estadual no sentido de buscar a duplicação das rodovias federais que cortam a Bahia, como a BR-101.
A Bahia tem o semiárido mais chuvoso do Brasil, as melhores terras para se plantar, incidência solar e clima favoráveis. Temos também tecnologia de ponta para o campo, mas não adianta termos tudo isso, se não termos estradas para escoar a produção e capacidade elétrica para instalar agroindústrias
Em relação à segurança pública, o líder empresarial falou que este é um problema “seríssimo” hoje na zona rural. “No Extremo-Sul da Bahia, que é um celeiro de produção e diversidade produtiva, os vaqueiros já não querem mais morar nas fazendas. O roubo de animais está espalhado por todo o estado e o roubo de cargas é frequente”, observou.
Outro ponto enfatizado é a necessidade de o estado criar um projeto de desenvolvimento estruturado para o semiárido baiano, que contemple iniciativas nas áreas de educação, assistência técnica, infraestrutura, emprego e renda. “Até porque, o semiárido do ponto de vista técnico, é a região mais propícia para se produzir. Tem terra de qualidade – uma das melhores do país – sol e temperaturas estáveis. O que precisamos é de mais ciência e tecnologia, intercâmbio com outros países nesta área. Nós temos um simiárido viável”, afirmou Humberto Miranda, que cobrou ainda uma atenção especial com relação aos recursos hídricos da região.
“Faço aqui uma reflexão. Nós temos o grande Rio Paraguaçu. Esse rio abastece Salvador. Isso, do meu ponto de vista de nordestino e sertanejo, não é justo. A água que nasce no semiárido, que corta todo o semiárido, vem abastecer as pessoas aqui [em Salvador] e deixa as pessoas com sede no semiárido, não gera emprego e renda lá. Salvador tem outras alternativas de abastecimento, como o Rio Joanes”, afirmou.
Reivindicações
- Reestruturação da Secretaria da Agricultura
- Reestruturação da Adab
- Investimentos em assistência técnica aos produtores rurais
- Expansão da oferta de energia elétrica
- Mais conectividade no campo
- Recuperação de estradas estaduais
- Duplicação de rodovias federais que cortam a Bahia, como a 101
- Implantação de programas para incentivar o desenvolvimento econômico e social do semiárido baiano
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