[dropcap]U[/dropcap]ma uva preta, com sabor especial, bom equilíbrio entre açúcar e acidez e sem sementes está fazendo sucesso na Europa e conquistou o exigente mercado britânico. A BRS Vitória é a primeira cultivar brasileira de uva sem sementes tolerante ao míldio, principal doença fúngica que ataca as videiras no País. A resistência permite a redução das aplicações de agroquímicos no parreiral.
O sabor diferenciado da nova uva trouxe uma importante vantagem competitiva à balança comercial brasileira: exportações de uvas entre abril e dezembro, fazendo o País abocanhar boa fatia do mercado britânico, que nessa época costumava ser abastecido pelas uvas da Itália, Espanha e Grécia, pelo preço mais acessível. Atualmente, somente o grupo Labrunier envia semanalmente cinco toneladas da BRS Vitória para a Inglaterra.
A cultivar foi desenvolvida especialmente para as condições climáticas do Brasil no âmbito do Programa de Melhoramento Genético de Uva da Embrapa Uva e Vinho (RS). Recomendada para regiões de clima tropical úmido (Sudeste brasileiro), e tropical semiárido, a cultivar vem se destacando especialmente do Vale do Submédio São Francisco (VSF), nos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), região que vem se sobressaindo no mercado de produção e exportação de uvas no Brasil. Lançada em 2012, a cultivar é adotada por 90% dos associados da Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco (Coopexvale).
A nova cultivar permite duas safras anuais com planejamento da época da colheita. Essa versatilidade permite a programação da produção para coincidi-la com as janelas de mercado de outros países exportadores para a Europa e competir com eles com preços mais vantajosos. O pesquisador da Embrapa João Dimas Garcia Maia, um dos coordenadores do programa de melhoramento genético, explica que, com irrigação e uso de produtos para promover brotações, é possível escalonar podas durante o ano todo e proporcionar as colheitas para o melhor período do mercado.
“Nas condições tropicais, a diminuição na duração do ciclo possibilita deixar as plantas em repouso por cerca de 30 a 40 dias entre os sucessivos ciclos além de aumentar o acúmulo de açúcares durante a maturação resultando em uvas mais doces,” conta Maia ressaltando que a cultura em clima tropical não sofre de limitação de calor que ocorre nas lavouras de clima temperado.
A tolerância ao míldio da BRS Vitória resultou em vantagens econômicas e ambientais. Segundo Maia, essa é uma característica que está sendo priorizada no desenvolvimento de novas cultivares de uva. “Ser tolerante possibilita uma produção mais sustentável, pois se pode reduzir cerca de 20%as aplicações de fungicidas, trazendo benefícios aos viticultores, ao meio ambiente e também aos consumidores”, enumera.
Conquistando o mercado
Há 28 anos atuando na região de Petrolina, o empresário Arnaldo Eijsink está atento às tendências internacionais e em busca de novas cultivares a serem plantadas nas fazendas Labrunier, do grupo BrasilUvas. Ele foi um dos pioneiros em testar e se interessar pela ‘BRS Vitória’ no campo. O produtor compartilhou sua experiência durante a palestra “Tendência do mercado nacional e internacional de uvas de mesa”, no XIII Congresso Brasileiro de Viticultura e Enologia.
A BrasilUvas é a maior produtora de uva de mesa do Brasil, com uma área de 900 hectares em produção, com a maior área experimental de novas variedades do mundo. Em torno de 60% de sua produção é comercializada no mercado interno, e o restante no mercado externo, diretamente para grandes redes varejistas, como Walmart, Wholefoods e Loblaws.
Segundo relatou Eijsink, a ‘BRS Vitória’ foi uma das uvas apresentadas em um Dia de Campo com 30 novas variedades de uvas para potenciais compradores nacionais e internacionais. “Todos os participantes ficaram admirados com o sabor diferenciado da cultivar desenvolvida pela Embrapa”, lembra o empresário.
Mário Gardenalli, presidente da Cooperativa Coopexvale, foi um dos responsáveis pela validação em área comercial da ‘BRS Vitória’, e já há três anos produz a uva durante duas safras anuais. Gardenalli destaca o sabor diferenciado, a redução de 20% no uso de defensivos e a alta fertilidade como os maiores benefícios da cultivar. “Conseguimos realizar duas safras por ano e a cada colheita ela produz de 20 a 22 toneladas por hectare. Mas o que mais chama atenção é o sabor diferenciado, as pessoas ficam com cara de surpresa quando a provam pela primeira vez”, relata.
A aceitação da cultivar está tão grande no Brasil, que cerca de 90% dos 22 associados à Coopexvale, representando 10% da área plantada da cooperativa, ou seja 33 dos 330 hectares já produzem a cultivar. “Estamos prospectando o mercado da ‘BRS Vitória’ no exterior, já enviamos amostras para nove clientes da Cooperativa”, informa.
Gardenalli apenas reforça que os produtores devem estar atentos ao ponto certo de colheita da cultivar, pois a ‘BRS Vitória’ fica com a cor preta e um bom índice de açúcar, parecendo que está pronta. “O ponto certo da colheita é quando a uva está sem adstringência e, se não estiver no ponto certo, o consumidor poderá estranhar o sabor. É importante provar a uva e só colher no momento certo”, alertou. A ‘BRS Vitória’ foi uma das escolhidas pela Cooperativa para ser comercializada com o selo “Gotas de Mel”, por sua característica adocicada.
Segundo o pesquisador João Dimas Garcia Maia, no Vale do São Francisco, a boa adaptação das novas cultivares desenvolvidas pela Embrapa, associada a uma elevada produtividade e à qualidade das uvas tem estimulado a ampliação do cultivo do material. “Muitos produtores estão substituindo as copas, principalmente de cultivares do grupo ‘Itália’ pelas cultivares da Embrapa, pelo desempenho que elas estão apresentando”, comenta. Estima-se que atualmente cerca de 500 ha já sejam cultivados com os materiais desenvolvidos pela Embrapa: a cultivar ‘BRS Vitória’, em cerca de 200 ha, a ‘BRS Isis’, em 100 ha, a ‘BRS Magna’, em 140 ha, e a ‘BRS Núbia’, em cerca de 20 ha.
De acordo com a pesquisadora Patrícia Ritschel, também coordenadora do Programa de Melhoramento Genético da Uva da Embrapa, a ‘BRS Vitória’ já foi aprovada para o plantio nas principais regiões produtoras de clima tropical e subtropical como São Paulo, Paraná, Minas Gerais além do próprio Vale do Submédio do São Francisco. Ela adianta que a equipe está trabalhando no sistema de manejo para que produtores da região Sul do País também possam começar a produzi-la. “Estamos ajustando algumas questões de controle de produção e época de colheita, mas acreditamos que em regiões de clima mais úmido como no norte do Paraná ou no Rio Grande do Sul, o ideal será a utilização do cultivo protegido, para evitar problemas como a podridão-da-uva-madura”, detalha.
Os cuidados no manejo dessas cultivares no campo, definição do ponto ideal de colheita, sistema de embalagens, classificação e resfriamento pós-colheita, associado a uma boa rede de distribuição tem posicionado bem as cultivares da Embrapa no mercado, tornando possível aos consumidores conhecer as novas uvas e impulsionar a sua demanda. Segundo Patricia Ritschel, a uva ‘BRS Vitória’ produzida nas regiões tropicais e subtropicais brasileiras já chegou às principais redes de supermercados de grandes cidades do País. Segundo Maia, atualmente, estima-se que o mercado interno tem sido o maior consumidor da uva.
Características da ‘BRS Vitória’
A ‘BRS Vitória’ é uma uva preta-azulada, vigorosa, com ciclo precoce (90 a 135 dias da poda à colheita, dependendo da região), com alta fertilidade de gemas, com média de dois cachos por ramo. O peso médio de cachos é em torno de 250-300 gramas e suas bagas com tamanho de 17 mm x 19 mm. Diante dessa fertilidade de gemas, o produtor facilmente consegue atingir uma produtividade de 30-40 toneladas por hectares ao ano. No Vale do São Francisco, visando obter alta qualidade da fruta, os produtores estão trabalhando com dois ciclos produtivos de 15-20 t/ha/ciclo. Ela apresenta teor de açúcar acima de 19º Brix, podendo chegar a 23º Brix, em regiões tropicais. Tem bom comportamento em relação ao rachamento de bagas.
O sabor especial dessa cultivar, sua principal característica, somente surge quando a uva está no ponto ideal de colheita. O teor de açúcar pode atingir altos níveis, mas recomenda-se a colheita quando a uva atingir pelo menos 19º Brix, pois é neste ponto em que ocorre o melhor equilíbrio entre açúcar e acidez, conferindo-lhe um sabor especial, bem distinto e sem adstringência na casca. Após a colheita no ponto ideal, a ‘BRS Vitória’ pode ser conservada por até 30 dias em câmara fria.
A ‘BRS Isis’ e a ‘BRS Núbia’ são outras cultivares de uva de mesa desenvolvidas pela Embrapa Uva e Vinho para regiões tropicais e subtropicais que estão apresentando boa aceitação. “A cor rosa e o formato diferenciado da baga da ‘BRS Isis’ têm chamado atenção. Já a BRS Núbia é uma uva com semente e que apresenta um grande tamanho de baga e de cor preta uniforme. Elas também estão tendo boa aceitação, mas a ‘BRS Vitória’ tem se destacado”, avalia Maia.
Programa de Melhoramento Genético de Uva
Desde 1977, dando sequência às primeiras iniciativas da antiga Estação Experimental de Caxias do Sul, a Embrapa Uva e Vinho conduz um Programa de Melhoramento voltado à obtenção de cultivares para processamento (vinho e suco) e para mesa. Os pesquisadores buscam desenvolver novas cultivares com melhor adaptação às diferentes condições edafoclimáticas das regiões onde a videira é cultivada no Brasil. Os melhoristas almejam elevadas qualidade e produtividade, alta tolerância às doenças que atacam a cultura, como o míldio e o oídio, e materiais voltados a diferentes finalidades (mesa, suco e vinho).
O Programa utiliza métodos clássicos de melhoramento com manutenção de um Banco de Germoplasma, acervo que reúne cerca de 1,4 mil tipos de uva, entre espécies cultivadas e silvestres, variedades, clones e seleções. Estão em fase de teste três seleções para vinho, três seleções para suco, e 38 seleções de uvas de mesa.
Em cerca de três anos, a Embrapa iniciará uma nova etapa de teste de validação com novas cultivares de uvas sem sementes, incluindo seleções de cachos mais soltos e com bagas maiores, para diminuir a demanda de mão de obra e uso de reguladores de crescimento. Nesse grupo, que está em processo de limpeza de viroses, há uvas brancas, vermelhas e pretas de diferentes sabores.