Iarodi D. Bezerra*
As relações humanas são a força motriz para a existência, fundamentação e continuidade da sociedade. Virgínia Woolf, diz que –apesar de serem importantes– “nada é tão estranho como as relações humanas, com suas mudanças, sua extraordinária irracionalidade.”
Sim, são estranhas. Basta olhar por alguns segundos as pessoas conversando e logo a cortina se abrirá, mostrando o fantástico mundo da subjetividade com as marcas da genética, os impactos socioeconômicos e o legado familiar. As relações humanas também são marcadas pelos contratos subjetivos entre duas pessoas, onde são firmados o modo em que operará.
A confiança é o ponto mais importante deste contrato. Ela fundamenta a relação em uma base sólida, onde se cria a expectativa de que ambos se comprometem em nutri-la a partir de atitudes. Porém, a linha invisível dessa premissa pode ser cortada por um dos dois, instalando-se um caos na relação; e, a partir daí, as feridas…a mágoa.
É fácil encontrar na literatura as dores de quem se é magoado. Os textos discorrem os inúmeros sintomas como a ansiedade, o humor deprimido, irritabilidade, baixa auto-estima, entre outras. Alguns especialistas até indicam práticas terapêuticas, medicamentosas, espirituais e até atividades físicas para combatê-los.
Porém, uma boa questão surge: e outro que causou tal mágoa? Sobre isso, há na literatura uma escassez de material, isso é inegável. Mas, é possível, pelo menos, vislumbrar a estética de seu coração, contornado e preenchido com a essência do puro orgulho, que guia por caminhos tortuosos para magoar o outro.
Sabe qual a melhor imagem de quem magoa de maneira deliberada? O do ato de entregar uma flor com poucas pétalas coloridas e mal-cheirosas, e repleta de espinhos
Corações orgulhosos se tornam irracionais, sob atitudes cheias de apegos à convicções que se transformam em artilharia pesada contra o outro. A dureza em não ceder um milímetro no campo de batalha para que o conflito arrefeça é típico…há um gozo nessa posição!
Sabe qual a melhor imagem de quem magoa de maneira deliberada? O do ato de entregar uma flor com poucas pétalas coloridas e mal-cheirosas, e repleta de espinhos. O outro recebe com sorriso no rosto e sangue nas mãos, asfixiado pelo odor do escárnio.
Porém, o orgulho também pode gerar atos sem a intencionalidade de magoar, mas não isenta do ato. O Apóstolo Paulo, nas Escrituras Sagradas fala o seguinte: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse eu faço.”. Sendo assim, um coração orgulhoso dessa maneira não é mal, mas infantil, movido por impulsos que não tem consciência das consequências.
Psiquicamente, sob os holofotes do determinismo, é notadamente para quem magoa a presença das marcas das frustrações experienciadas ao longo da vida e que projetam nas relações atuais.
O caminho de magoar não leva apenas quem foi magoado ao destino de dor, mas por outro prisma, que quem magoou também sente pelo que fez. Sabia disso? Isso é para aqueles que possuem algum nível de compreensão e empatia pela dor do outro. Irão assistir atônitos uma expressão cheia de agonia, os olhos vermelhos que revelam o inferno interno que estão vivendo…e o pote do coração até aqui de mágoa?, como diz a canção Gota d’água de Chico Buarque, até o a boca, pronto para transbordar.
O processo de conscientização do que fez ao outro pode levar a dois lugares: ou ao remorso ou ao arrependimento. O primeiro é destrutivo e o segundo, restaurador, tanto para si, quanto para a própria relação com o outro machucado. Sendo assim, como a pessoa magoada, quem magoou necessita cuidar do coração que envolto pelo manto do orgulho, render-se ao perdão.
Precisamos assumir que somos um catálogo de erros, prontos para atingir a qualquer momento quem amamos. Porém, precisamos de coragem em assumir a posição de conserto e responsabilidade afetiva para com o outro. E só dessa maneira, não se estenderá ao outro, flores do mal, travestidas como flores coloridas e cheirosas.
Iarodi D. Bezerra
Psicoterapeuta – Escritor
@iarodibezerra