
A prisão em segunda instância está na pauta da sociedade brasileira agora, embora sempre houvera o entendimento de que só pobre vai para cadeia e os ricos não, porque se valem da riqueza, gozam de bons advogados e não ficam ao alcance da Lei. De que modo isso acontece em termos jurídicos nunca esteve sobre debate, mesmo porque o assunto é regido pelo bacharelado, uma marca d’água herdada dos portugueses, onde se assenta o exercício do poder, sem a sombra de questionamentos.
Mas com a condenação de Lula e o desmonte promovido pela Lava Jato das relações patrimonialistas estatais, na exposição de uma corrupção sistêmica e avassaladora, comacontribuição de alentadas estruturas privadas, a sociedade se debruçou sobre o assunto e a prisão em segunda instância se tornou carne viva, engendrando manifestações favoráveis quer individuais, ou em grupo – 433 senadores são favoráveis-, quer coletivas, como aconteceu no dia 9.
A segunda instância também democratiza a cela e, consequentemente, o banho frio, para todos; afinal nas sociedades democráticas não apenas o luxo deve alcançar tout le monde
A manutenção do trânsito em julgado pelo STF expôs uma das engrenagens do patrimonialismo, que define quem pode se apropriar das riquezas produzidas pelo Estado, mas muito além do butim, o que inclui o lustre social, a faceta mais importante, porque oferece proteção perante “infortúnios” imprevistos, aos donos do poder.
Mas a decisão do STF beneficiou Lula e outros condenados em segunda instância, ensejando uma falsa querela: a volta do petista à cena política. Partidos esquerdistas bateram palma para breque do STF, e o centrão e congêneres se sentiram aliviados, porque muitos dos seus parlamentares ou estão na boca para serem sentenciados ou a caminho.
A prisão em segunda instância deixou o reino do jurídico e se transformou num fato social, aquele que gera impacto na sociedade, e como toda ruptura normativa atrai reações contrárias de grande monta
Escorado pelo Bacharelismo, que constrói o prestígio social, avaliza e santifica o exercício do poder, o patronato ficou calado, enquanto o fato estabelecido, de se prender alguém, indistintamente, após condenação em segunda instância, foi para o limbo.
Com isso, as discussões sobre a mudança de paradigma da lei, ensejada pela segunda instância, deram lugar a uma mistificação parva com ênfase na distinção entre Lula Livre e Lula solto; a nostalgia alimentada pelo surgimento de uma terceira força política, o centro, para negar Lula e a direita; a justificativa pueril de que o mal está na morosidade da Justiça; a contabilidade debiloide, se 4 mil ou um mil condenados em segunda instância podem ganhar a liberdade; e o aceno de uma tal de terceira instância. Enfim, elidiu-se o avanço da lei, estabelecida em diversos países capitalistas europeus.
Mas a decisão do STF beneficiou Lula e outros condenados em segunda instância, ensejando uma falsa querela: a volta do petista à cena política
Criaram mis distrações para dourar a pílula, como se a lei agasalhasse privilégios devido ao estado aquoso da própria lei. A prisão em segunda instância não vai estabelecer a equidade entre as classes sociais, a justiça social, mas joga pela janela a venda da mercadoria impunidade, com seu valor de uso na ostensividade inimputável e o valor de troca, alimentando a caixa registradora. Além de organizar e multiplicar patrimônios, sob a égide do bacharelismo. A segunda instância também democratiza a cela e, consequentemente, o banho frio, para todos; afinal nas sociedades democráticas não apenas o luxo deve alcançar tout le monde.
A prisão em segunda instância deixou o reino do jurídico e se transformou num fato social, aquele que gera impacto na sociedade, e como toda ruptura normativa atrai reações contrárias de grande monta. Alcolumbre marotamente acenou com uma constituinte; Maia não sabe o que fazer, quer esfriar o tema, “há coisas mais importantes”; mas Tabet já instalou no Senado a discussão sobre o assunto. À sociedade coloca-se dobrar-se sobre o trânsito em julgado ou dobrar. No YouTube está preservada a Morena do Rio Vermelho do seresteiro Osvaldo Fahel. Correu mundo.