Por Eletice Rangel*
A maioria de nós busca, nos períodos de férias, a renovação física e mental para retornar ao trabalho de forma mais produtiva. Mas será que esse é o único benefício que devemos buscar nessas pausas tão necessárias?
O nosso cérebro precisa de uma mudança de caminho após um tempo contínuo de exaustão. No dia a dia distribuímos as nossas horas entre o trabalho e outras demandas que exigem muito de nós. Como consequência, entramos num estado de cansaço e alerta, condição que não nos é saudável quando se estende por muito tempo.
Precisamos de descanso, não só para o corpo, mas especialmente para nosso cérebro, pois já não produzimos e rendemos mais como antes. Então, é preciso que exista um tempo de repouso para que o cérebro assuma novos circuitos neurais, nos tirando desse esgotamento que nos leva a níveis altos de estresse e um estado de alerta, para que sejam ativadas funções que nos proporcionem melhor capacidade criativa e de elaboração mental.
As férias são úteis e necessárias na promoção desse novo caminho, no qual nos dedicamos ao lazer e à prática de novas ações que nos recuperam física e mentalmente, incluindo nesta lista o não fazer. O ócio é fundamental para termos um retorno mais produtivo às atividades laborais. Isso é indiscutivelmente importante. Mas você, nas suas férias, presta atenção também aos anseios mais íntimos da sua alma ou apenas busca voltar mais produtivo ao modo sobrevivência?
A nossa sociedade é organizada num modelo que confere ao trabalho um lugar de centralidade na organização da nossa vida e do nosso tempo. Temos o tempo do trabalho e o tempo que sobra dele, que chamamos de tempo livre. Desde a infância, somos ensinados que devemos ter uma profissão e a sermos produtivos. Preparam-nos para a vida com essa referência de êxito, sem nos ensinar a desenvolver o olhar para o nosso universo íntimo e para os nossos desejos mais genuínos. Aprendemos que o sucesso só pode ser estabelecido dentro dessa perspectiva, cujo foco é centrado em uma dimensão da vida, sem nos percebermos relacionados a várias outras dimensões também importantes.
É importante entender que o tempo livre deve ser preenchido pelo lazer, combinado também com a ausência de qualquer atividade programada
Desde cedo acessamos um universo de conceitos dos diversos campos da ciência, mas não aprendemos sobre os caminhos que nos conectam à nossa alma, pois não nos ensinam a olharmos para dentro de nós como individualidade preciosa que somos. Tampouco somos orientados a questionar sobre nosso lugar no mundo, pautados também na observação da nossa realidade interna.
Seguimos, então, servindo a uma engrenagem que nos desconecta de nós mesmos, com o nosso olhar predominantemente para fora, sem o importante aprendizado sobre a necessidade de percebermos as nossas emoções, nem sobre a urgente atenção para o momento presente, sobre o viver no agora, o que nos leva a um automatismo que pode comprometer nossa condição psicoemocional.
É importante entender que o tempo livre deve ser preenchido pelo lazer, combinado também com a ausência de qualquer atividade programada. Nesse último caso, o ócio, tão percebido de forma negativa na nossa sociedade, por se contrapor a ideia de produtividade, é também necessário para o nosso bem-estar, tornando-se um excelente portal de acesso para o autoconhecimento. O ócio é bem-vindo quando nos proporciona, além do descanso mental e físico, a possibilidade de nos desligarmos momentaneamente do mundo externo e nos conectarmos a nós mesmos.
Dedicar o tempo à contemplação de si é fundamental, pois nos tira do modo automático. As férias não são apenas para você descansar o corpo, mas para também se organizar por dentro, entrar em um contato necessário com sua realidade interna, com seu universo intuitivo e emocional, para que você possa perceber o real sentido da sua vida, que é individual e intransferível.
Entender que viver é muito mais que sobreviver nos capacita para nos realizarmos em várias dimensões desta existência, inclusive na realidade laboral. Precisamos pausar para olharmos para dentro. Temos um mundo interno que deve ser cuidado. Nesse mergulho, descobrimos a verdadeira face do que viemos mostrar para o mundo, nossos verdadeiros anseios e o real sentido de estarmos na vida.
É preciso coragem para esse mergulho, se organizar por dentro pode ser trabalhoso, mas é uma jornada que pode nos levar a um lugar de mais leveza, liberdade e qualidade de vida. Entendendo que é mais importante viver de forma mais consciente, como protagonistas da nossa própria história, eu te pergunto: você quer viver ou simplesmente sobreviver? No fundo, mesmo diante de um contexto externo que muitas vezes não depende de nós, quando adquirimos consciência, pode ser uma questão de escolha.
* Eletice Rangel é Psicoterapeuta Transpessoal Sistêmica, atua no atendimento de adultos e é Economista pela UFBA (@psicoterapeuta_eleticerangel)