A formação técnica, já tanto estigmatizada, está em plena ascensão como um pilar essencial na construção de uma economia robusta e dinâmica. Nesta entrevista com a professora Cleunice Rehem, que é presidente da Associação Fórum Nacional das Mantenedoras de Instituições de Educação Profissional e Tecnológicas – Brasiltec, ela fala sobre o cenário da educação técnica no Brasil, que passou por uma transformação notável. Hoje, o preconceito que tempo atrás atrasou o progresso está em declínio, e a demanda por profissionais com habilidades técnicas cresce a passos largos. Cleunice Rehem será uma das palestrantes do evento “Conversa de Valor”, que acontece no próximo dia 11 de junho, no The Latvian, e que terá a participação especial do Grau Técnico (leia mais abaixo).
Bahia de Valor – Como vê a formação técnica no Brasil e quais pontos fortes e fracos?
Cleonice Rehem – A formação técnica no Brasil, em sua origem, sofreu forte preconceito, que é uma das razões para seu atraso no país em contraste com os países mais desenvolvidos. Hoje, esse preconceito está minimizado e a economia demanda cada vez mais por profissionais com formação técnica. A formação técnica registra elevada taxa média de empregabilidade – 76% -, o que assegura favorabilidade aos egressos para obtenção de trabalho e renda. São cursos voltados para a prática do trabalho, focados na constituição de competências exigidas para a atuação profissional satisfatória, exigem pouco tempo para conclusão – entre um e dois anos – e possibilitam continuidade de estudos para cursos superiores pelo aproveitamento de conhecimentos por verticalização da formação. Não vejo pontos fracos nessa formação, mas pode-se considerar que a remuneração dos profissionais ainda carece de justiça para atender aos critérios de desempenho exigidos aos profissionais. Dados do IBGE (2022) indicam que a taxa de emprego formal pode aumentar 38% para os jovens que têm formação técnica, além disso a renda per capita familiar dos egressos de cursos técnicos é 20% superior à dos estudantes com ensino médio apenas.
BV – Esses cursos são a solução para o desemprego no país? Por quê?
CR – Prover os jovens de habilidades para o trabalho profissional eleva a produtividade e melhora a economia do país, consequentemente, alavanca seus índices de crescimento ao longo do tempo. Cursos técnicos têm empregabilidade de seus egressos em cerca de 76%. Os cursos técnicos suprem as demandas de mão de obra qualificada que as empresas precisam para sua produção e são solução para o desemprego porque os egressos atuam nos processos de operação das empresas, constituindo-se esses profissionais em elementos chave para a competitividade e sustentabilidade da economia. São cursos que contribuem como solução ao desemprego porque são de curta duração, ticket baixo, alta praticidade, elevada empregabilidade e qualificam para progressão nas carreiras.
A formação técnica registra elevada taxa média de empregabilidade – 76% -, o que assegura favorabilidade aos egressos para obtenção de trabalho e renda
BV – Como está a mão de obra em profissões técnicas no Brasil, em número e qualidade?
CR – Há áreas no Brasil com grande escassez de mão de obra técnica. Pesquisa da ManPowerGroup (2022) revela que há maior escassez de técnicos em TI e Tecnologia (84%), Indústria (84%), Saúde, Educação e Governo (80%), Logística (79%), Construção Civil (76%), Restaurantes e Hotelaria (66%). Formar os jovens para atuação imediata nesses setores é uma urgência no Brasil e contribuiria para resolver, não apenas o problema da escassez da oferta de mão-de-obra qualificada, mas também o problema das juventudes brasileiras sem formação profissional, sem trabalho e renda.
Pesquisa da CNI (2022) demonstra que a falta de trabalhadores de nível técnico atinge 90% das indústria no Brasil. A função com maior carência de trabalhador qualificado é a de operador, que afeta 96% das empresas. Há escassez também nas áreas de venda e marketing (82%), administrativa (81%), gerencial (75%). A falta de trabalhadores qualificados tecnicamente deve agravar-se à medida que a economia for se recuperando, tornando-se um dos principais obstáculos para o aumento da produtividade e da competitividade no país.
BV – O mercado está carente de bons profissionais?
CR – Cerca de 81% dos empresários entrevistados em pesquisa da ManPowerGroup (2022) afirmam que não conseguem preencher as vagas de trabalho abertas para funções técnicas nas empresas. Faltam pessoas qualificadas para preenche-las. O Brasil registra grande atraso na formação de técnicos na quantidade que os setores produtivos precisam. As matrículas em cursos técnicos precisam ser triplicadas com urgência. Políticas públicas para a o enfrentamento dessa realidade são urgentes para o país, nas esferas federal, estadual e municipal.
BV – Como vê as políticas públicas voltadas para cursos técnicos? Há incentivo governamental?
CR – Há quase uma década que o Brasil carece de políticas públicas consistentes e permanentes para cursos técnicos, razão do não crescimento das matrículas nos percentuais definidos no Plano Nacional de Educação 2014/2024 para atender à demanda do país por técnicos qualificados. Inexiste, por exemplo, política de financiamento estudantil para cursos técnicos, embora a Lei do FIES tenha definido esta possibilidade desde 2011 e jamais foi regulamentada.
Uma política pública para concessão de bolsa formação para cursos técnicos não gratuitos foi criada pelo Pronatec em 2011/MEC, teve bom desempenho por alguns anos, mas foi gradativamente desativada por falta de previsão orçamentaria que pode ser traduzida como falta de prioridade para a concessão desse importante mecanismo de parceria público/privada para oferecer oportunidades efetivas aos jovens de escolherem cursos técnicos de alta qualidade e alinhados às demandas do mercado. O atual governo federal ainda não investe em financiamento estudantil e nem em bolsa formação para os cursos técnicos, apesar de reiteradas solicitações do setor para essa prioridade para a qual não se vê esforços governamentais claros. E o país clama por essas políticas públicas que promovam oportunidades de profissionalização aos jovens, além de crescimento, sustentabilidade e competitividade à economia.
Os cursos técnicos das áreas de TI e Tecnologias, os da área de Saúde, Segurança do Trabalho e Logística são, na atualidade, os que apresentam maior empregabilidade e maior remuneração
BV – Como está a empregabilidade dos profissionais técnicos?
CR – Como já afirmamos, a taxa de empregabilidade dos técnicos é elevada, girando em torno de 76% em média, sendo que em alguns cursos, como na área de saúde e de tecnologias, a empregabilidade chega a mais de 90%.
BV – Quais áreas mais demandam por profissionais técnicos?
CR – Como já ressaltamos, a pesquisa da ManPowerGroup aponta para as seguintes áreas com maior demanda por profissionais e que não é atendida gerando carência de profissionais nas empresas: TI e Tecnologia (84%), Indústria (84%), Saúde, Educação e Governo (80%), Logística (79%), Construção Civil (76%), Restaurantes e Hotelaria (66%). Dessas áreas, um destaque especial para a área das tecnologias: o Brasil necessita por ano cerca de 160 mil profissionais técnicos em sistemas, redes, internet, jogos digitais, informática, IA, IOT, Big Data, mas apenas são formados cerca de 60 mil técnicos por ano nessa área. A procura por profissionais nessa área é crescente, a empregabilidade altíssima, mas faltam profissionais qualificados na quantidade demandada pelas empresas.
BV – Como está o setor de educação técnica no país?
CR – O setor de educação técnica no Brasil vem se desenvolvendo lentamente. As redes públicas, de um modo geral, ainda não ofertam os cursos técnicos mais demandados pelos setores produtivos pelas dificuldades que têm em realizar mudanças rápidas das ofertas de acordo com o desenvolvimento local e regional, com obstáculos para a renovação célere do quadro de professores preparados para atuarem nos cursos, com tecnologias defasadas, com dificuldades na obtenção e manutenção dos equipamentos e laboratórios indispensáveis às aprendizagens técnicas, com uso generalizado de metodologias de ensino tradicionais. Claro que há exceções, como a rede pública de escolas técnicas do Estado de São Paulo.
Há iniciativas avançadas também em parcerias público/privadas como no governo do Estado de Minas Gerais que criou o programa Trilhas de Futuro e beneficia milhares de jovens em centenas de municípios onde a rede pública não alcança, com cursos técnicos por meio de bolsas formação para os estudantes, oferecidas por meio de parcerias público/privada, controladas e acompanhadas pelo governo.
Já o segmento privado de ofertantes de cursos técnicos no Brasil tem contribuído com avanços significativos nas ofertas, como é o caso dos franqueados da Grau Educacional que estão presentes em todas as regiões do país com ofertas de cursos de elevada qualidade, com conexão permanente com as empresas empregadoras de mão de obra. A formação oferecida pelas Unidades Técnicas do Grau registra taxa média de empregabilidade elevada e baixa evasão. São escolas técnicas exemplares, com agências de emprego para apoiar os estudantes e que contribuem diferenciadamente para ampliar as matrículas em cursos técnicos no país.
A formação oferecida pelas unidades técnicas do Grau registra taxa média de empregabilidade elevada e baixa evasão
BV – Quem mais busca por cursos técnicos?
CR – Nas matrículas em cursos técnicos houve um aumento de 12,1% entre 2022 e 2023. Os dados divulgados pelo MEC (Ministério da Educação) apontam que existem atualmente 2,2 milhões de pessoas cursando a EPT (Educação Profissional e Tecnológica) no país. Isto está ainda muito distante da meta estabelecida no PNE, nesse segmento, que é de triplicar as matrículas para alcançar 4.808.838 em 2024.
Os principais dados coletados pelo Censo da Educação (2023)e divulgados pelo MEC são: Total de matrículas em cursos técnicos: 2.271.607, sendo nas instituições públicas (federais, estaduais e municipais)1.341.981 (55,9%) e nas instituições privadas 1.071.844 (44,1%); prevalecem nas matrículas os jovens entre 15 e 29 anos (75.7%), as mulheres apresentam ligeira participação maior de que os homens nos cursos técnicos: 51% e 49%, respectivamente, sendo que as áreas de saúde, educação e hotelaria/restaurantes têm maior participação feminina e as áreas de TI e tecnologia, logística e construção civil apresentam maior participação masculina. As regiões Sudeste e Sul concentram a maior parte das matrículas, refletindo uma maior oferta de instituições e demanda por profissionais qualificados.
BV – Qual a importância dos cursos técnicos para a economia brasileira?
CR – São os técnicos que operam as empresas, são profissionais fundamentais para o desenvolvimento da produção na indústria, comércio e serviços. Esses profissionais contribuem de modo diferenciado para a sustentabilidade e competitividade da economia. Os cursos que formam esses profissionais têm, portanto, diferenciada importância para a economia, razão que embasa a relevância da necessidade de políticas públicas que ampliem as matrículas em cursos técnicos crescentemente, transformando o quadro de déficit registrado no cenário nacional atual.
O PIB brasileiro pode crescer 2.32% se o país triplicar as matrículas em cursos técnicos (Insper e Fund. Itaú Educação e Trabalho/2023). Isto significa uma vantagem competitiva extraordinária pelo crescimento de vagas no trabalho, aumento do emprego e da renda das pessoas e famílias. Os dirigentes públicos – tanto federais como estaduais e municipais – precisam acordar para esta realidade e implantar urgentemente políticas públicas que acelerem a ampliação das matrículas nos cursos técnicos, estimulem os jovens nas escolhas da profissionalização aderente às demandas da economia, priorizando parcerias público/privadas que reduzem os custos das ofertas, aceleram as entregas à sociedade, atendendo às demandas para o desenvolvimento social e econômico do país.
O Brasil registra grande atraso na formação de técnicos na quantidade que os setores produtivos precisam. As matrículas em cursos técnicos precisam ser triplicadas com urgência
BV – Como eles se diferenciam das graduações, especialmente em relação à remuneração?
CR – As graduações superiores são cursos de maior duração, com embasamento teórico mais denso e custos mais elevados. Formam profissionais para a atuação no mercado de trabalho com foco em supervisão, gestão, coordenação, pesquisa e inovação. Podem representar as possibilidades de ascensão na carreira profissional quando conectados à formação técnica. São valorizados pelo mercado e tradicionalmente reconhecidos com remuneração naturalmente maior que profissionais técnicos em algumas áreas. Mudanças significativas, contudo, já são identificadas com a prioridade das empresas por técnicos bem formados, aumentando o mercado para esses profissionais. Os cursos técnicos se diferenciam das graduações também por serem mais práticos, mais focados na fazer do trabalho, na constituição das competências que o trabalho exige, por terem duração menor e empregabilidade maior.
BV – Quais são os mais bem pagos e com maior empregabilidade?
CR – Os cursos técnicos das áreas de TI e Tecnologias, os da área de Saúde, Segurança do Trabalho e Logística são, na atualidade, os que apresentam maior empregabilidade e maior remuneração pela alta procura das empresas por esses profissionais. A formação nessas áreas registra empregabilidade elevada e muito diferenciada de outras áreas do mercado de trabalho.
Conversa de Valor
Para falar sobre a Grau Técnico, empresa sólida e em constante ascensão, os sites Bahia de Valor e Inews irão promover no próximo dia 11 de junho, no lounge corporativo The Latvian, localizado na Bahia Marina, a primeira edição do “Conversa de Valor”. O evento, que terá como tema central a educação técnica e o mercado de trabalho, contará com a participação especial do Grau Técnico – a maior rede de ensino técnico do Brasil.
O Conversa irá reunir cerca de 100 convidados, entre empresários, educadores, empreendedores e sócios do The Latvian.
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