Por Eletice Rangel*
Na nossa sociedade existe a crença de que a solidão é considerada um mal que deve ser sempre evitado. Sentida como um verdadeiro pesadelo que nos assombra, ela representa, nessa perspectiva negativa, um espaço em que somente encontramos a sensação de desamparo, dor e desamor. Mas seria essa a única face da solidão?
A palavra solidão tem origem no latim solitudnem, significando estar sozinho, estar consigo mesmo. Nesse sentido, a solidão é um fato e em algum momento será vivida por todos, pois somos individualidades habitando nos limites de um corpo. Então, como não temer tanto essa condição que é natural e inevitável e percebê-la numa outra perspectiva?
Condenar alguém que está sem um par à dor e à sensação de desvalor é um movimento adoecedor que atravessa gerações, ocasionando descontentamento, diminuição da autoestima, aumento da ansiedade e o consequente adoecimento psicoemocional. Essa impressão dolorosa sobre a solidão, em que não nos percebemos como individualidades valorosas, capazes de vivenciar experiências enriquecedoras quando estamos desacompanhados, encontra suas raízes no mito do amor romântico, que se sustenta na ideia de que sozinhos somos incompletos e devemos encontrar a felicidade no outro, que tem a tarefa inglória de, não só nos completar, mas nos fazer felizes.
Você já pensou que a solidão, vivida e sentida nesse horizonte de temor, abandono e sofrimento pode limitar as possibilidades de aprendizado sobre si mesmo e afetar negativamente a qualidade das relações amorosas vivenciadas?
Na perspectiva negativa sobre a solidão, estar na presença da própria companhia revela o medo do desconhecido sobre si, medo do encontro com as próprias limitações, potencialidades, emoções… Enfim, medo do que se pode encontrar sobre tudo que nos integra, seja o que existe de bom, seja o que nos causa desconforto.
Você já pensou que a solidão, vivida e sentida nesse horizonte de temor, abandono e sofrimento pode limitar as possibilidades de aprendizado sobre si mesmo e afetar negativamente a qualidade das relações amorosas vivenciadas?
Ao fugirmos do contato com nós mesmos, os gostos, desejos, virtudes e limitações ficam perdidos em algum lugar oculto em nós e deixamos de viver e ser quem viemos ser verdadeiramente, dificultando a nossa autorrealização. Além disso, perdemos a oportunidade de nos capacitarmos para viver relações amorosas mais saudáveis e funcionais.
Relações movidas pelo medo de ficar sozinho ou para evitar o contato consigo mesmo podem significar uma condição de dependência emocional. Você já viveu um relacionamento em que passou a acreditar que apenas na presença do outro estava completo? Se a resposta for positiva, provavelmente acreditou ter encontrado o que faltava em si e, somente assim, acreditava estar sendo validado e reconhecido, como se recebesse um carimbo que lhe atribuísse valor.
Essa dinâmica pode comprometer a qualidade de um relacionamento, por ser preenchida de sentimentos, emoções e comportamentos incompatíveis com os vividos em uma relação saudável, tais como medos, inseguranças, ciúmes excessivos, cobranças constantes, comportamentos controladores. Quando você não consegue estar com você e se sente dependente de outra pessoa para se realizar, corre o grande risco de viver uma relação pautada pela falta de prazer na convivência, assombrada pelo fantasma do medo de um possível término.
E como a solidão pode nos capacitar para relacionamentos mais saudáveis? Inegavelmente, as relações são importantíssimas para nossa construção interna, para o nosso desenvolvimento pessoal. Assim como saber lidar com os momentos em que estamos sozinhos é sinônimo de boa saúde mental e nos capacita para aproveitarmos de forma enriquecedora a experiência vivida nos relacionamentos amorosos.
Viver a tão temida solidão pode ser uma grande oportunidade para reconhecer as próprias capacidades e habilidades, aprender a lidar com as próprias emoções e se preparar para enfrentar os desafios relacionais. Essa percepção saudável do estar sozinho é conhecida como solitude, palavra originária do latim “solitudo” e pode ser descrita como “a glória em estar sozinho”.
Em contato com seus conteúdos internos, você tem o caminho para nutrir o autoamor. Nesse percurso, terá a medida que irá definir se o amor recebido do outro condiz com o que você se oferece. Sem se conhecer minimamente, não é possível se amar, o que torna tudo muito mais difícil, seja estando só ou acompanhado. Conhecendo os próprios limites e valores você mostrará para o outro como deseja ser amado. Uma relação feliz é aquela em que você pode ser você mesmo, e o outro também, com tudo que os preenche e com todos os vazios que cada um comporta.
Não se preocupe em contar o tempo da solidão. Não se atormente com a cobrança externa para que você tenha um relacionamento amoroso e nem se cobre por isso. Seja tolerante com seu processo. Cada um de nós tem um relógio interno com uma marcação específica, por meio da qual é construída uma história particular. Então, as intensidades e os tempos de sentir e perceber seu mundo interno são únicos.
Durante esse tempo, aprecie sua companhia, explore seu universo particular, admire sua alma, descubra pequenas coisas capazes de proporcionar grande alegria, cure suas feridas, faça terapia. Somente assim, a solidão se tornará oportunidade e – quem sabe até – uma boa companhia.
- Eletice Rangel é Psicoterapeuta Transpessoal Sistêmica, atua no atendimento de adultos e é Economista pela UFBA (@psicoterapeuta_eleticerangel)
Maravilhoso o texto sobre SOLIDÃO, SOLITUDE. Eu moro sozinha, tenho as vezes um certo temor por estar só. Deus proverá. Momentos que se conhece mais, tet mais percepção dos atos, ações. Valeu. Gostaria que enviasse para meu e-mail. Muito obrigado.
Bel Padilha
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