
O mercado já havia precificado que a Selic chegaria ao fim do ano com mais um corte e fecharia em 4,5%. O Copom confirmou a previsão; foi mais adiante e deixou em aberto outra possível redução na taxa básica de juros da economia brasileira. Com isso, escancarou mais ainda a distorção entre a Selic e os juros cobrados pelos bancos nos financiamentos a pessoas físicas e jurídicas.
Há uma distância abissal entre a Selic e as taxas verificadas no cheque especial e no rotativo dos cartões de crédito, acima de 300% ao ano.
Os bancos argumentam que a inadimplência é alta, porque a garantia de ressarcimento dos financiamentos é baixa, devido a dificuldade em receber aquilo que foi emprestado, leis trabalhistas e impostos.
Resolver esse enigma é um desafio que o BC terá de enfrentar, mesmo sem contar com a independência. Aliás, essa questão estava pautada na Câmara dos Deputados, mas de repente ficou de escanteio, logo após o BC ter fixado em 8% os juros do cheque especial.No entanto, os especialistas afirmam que a concentração bancária – apenas cinco bancos detêm mais de 80% do crédito no país – seria o principal motivo dos juros altos. O fato é que a Selic em 4,5% põe em xeque os juros praticados pelos bancos e empurra o Banco Central para uma zona sem conforto e, de certa forma, de conflito.
O Banco Central tem dito à imprensa que é desconfortável uma Selic tão baixa em relação aos juros cobrados no crediário
O Banco Central tem dito à imprensa que é desconfortável uma Selic tão baixa em relação aos juros cobrados no crediário. Prometeu acabar com o financiamento no cartão sem juros, porque entende que alguém paga essa operação, e, como diz o ditado, não há almoço gratuito.
Essa disparidade entre a Selic e os juros cobrados pelos bancos não atinge somente o crédito imediato, mas também os financiamentos de longo prazo. Um bom exemplo é o setor imobiliário. Qualquer mexida negativa nas taxas de juros cobradas nesse setor provoca um alívio e tanto para o mutuário. De imediato, a Caixa já operou o corte dos juros no financiamento imobiliário, passou de 6,75% ao ano mais TR, para 6,50% ao ano mais TR. A TR é a Taxa Referencial, que atualmente está zerada. Este corte terá um impacto gigantesco no financiamento imobiliário, quase se ombreando com os juros cobrados nos Estados Unidos, 3,56%. É bom lembrar queo PIB americano é US$ 21,5 trilhões, enquanto o nacional crava US$ 1,8 trilhão. Se a construção civil abandonar a colher de pedreiro, os ganhos para o setor podem ser maiores.
No Brasil, a racionalidade conta pouco e os mitos se somam em quantidades gigantescas, ancorados na tradição. Tomemos o exemplo do salário mínimo, que levou 24 anos para sair de 39 dólares em 1970 para 100 dólares em 1994 e mais 20 anos para deixar os 100 dólares e atingir 300 dólares em 2014. Hoje chega a pouco mais de 237 dólares
Essa disparidade entre a Selic e os juros cobrados pelos bancos não atinge somente o crédito imediato, mas também os financiamentos de longo prazo
O argumentatio que inibia a mudança era sempre o mesmo, a economia não estava pronta e se houvesse um aquecimento por baixo os agentes econômicos sofreriam, principalmente as prefeituras, além, claro, da explosão de preços, porque a demanda iria extrapolar e muito a oferta.
Esse mito caducou, mas temos dois outros que insistem numa racionalidade parva. A taxa de juros cobrados ao consumidor e a prisão em segunda instância. O primeiro mito está atrelado à balela da inadimplência e outras miçangas. É a justificativa para que o juro se torne reserva de valor. Já o mito de que não é possível a prisão em segunda instância está atrelado à Constituição, como se a sociedade fosse estática. Parece que estamos diante de Henri Duval, personagem de Edgar Allan Poe em os “Crimes da Rua Morgue”. A testemunha não falava italiano, mas ficou convencido de que as vozes que ouvira eram de italianos, pela entonação. Ou seja, uma estupidez racionalizada. No Youtube, Magali Datzira recria Unchain my heart, canção muito conhecida na versão de Joe Cocker.