[dropcap]P[/dropcap]arceria entre técnicos extensionistas e pesquisadores conseguiu alavancar a cadeia produtiva do abacaxi no município de Itaberaba no semiárido baiano a ponto de transformar a cidade no maior produtor estadual da fruta. Adubação correta, adensamento da plantação, controle de pragas e indução floral foram algumas práticas que fizeram a produtividade aumentar. Além disso, toda a cadeia foi organizada a fim de dar sustentabilidade à produção e até a palha do abacaxi foi aproveitada para alimentar o gado, ajudando o município a reduzir as perdas na produção animal durante um período de seca.
“Um achado”. Assim o engenheiro-agrônomo Alberto de Almeida Alves, da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão (Bahiater), resume a importância da abacaxicultura para o município localizado na entrada da Chapada Diamantina, distante 264 quilômetros de Salvador. O fruto é explorado há cerca de 40 anos na região — que tem condições ecológicas diferentes da maioria das regiões tradicionais de cultivo —, mas foi há menos de 20 anos que se firmou. O cultivo cresceu na mesma proporção que a produção declinou no município de Coração de Maria, à época o maior produtor do estado com a maioria das plantações atacadas pela fusariose, principal doença da cultura, causada pelo fungo Fusarium guttiforme, também chamada de gomose ou resinose.
Hoje, o abacaxi da variedade Pérola é o principal produto agrícola do município, ocupando 2,3 mil hectares de área plantada. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014 a produção anual foi de 18,9 mil toneladas gerando cerca de seis mil empregos diretos e indiretos durante todo o ciclo da cultura e receita anual acima de R$ 30 milhões. O abacaxi produzido no município correspondeu por vários anos quase à metade do produzido em todo o estado e é destinado ao mercado interno de frutos in natura e o Estado de São Paulo é o maior comprador. O ponto alto da produção aconteceu em 2008, com uma produção de 86,4 milhões de frutos.
A cultura é predominante em pequenas propriedades, com áreas médias inferiores a três hectares, nas quais se emprega mão de obra familiar e, na maioria das vezes, sem financiamento. “O abacaxi tem um papel social muito grande para Itaberaba e para a Bahia. Podemos dizer que temos aqui uma classe média rural de abacaxi e pelo menos 80% são agricultores familiares. Um dado interessante é que são muitos jovens por que o abacaxi precisa de muita tecnologia e o agricultor de mais idade tem certa resistência”, pontua Alves.
Primeiros plantios
Até os anos 1980, o município tinha tradição em pecuária de corte bovina extensiva e de caprinos e ovinos e passou um grave período de seca. “O abacaxi veio cobrir essa lacuna de queda de renda e número de mão de obra ocupada”, recorda. “Os primeiros plantios foram iniciados por agricultores da comunidade de Barro Branco, que queriam ampliar a área e fizeram contato com as antigas Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Bahia (Emater-BA) e Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia (Epaba), que tinham dificuldade na compreensão da cultura e não prestavam o devido acompanhamento. Por isso, fizemos contato com a Embrapa”, continua Alves que também atuou como gerente de pesquisa da extinta Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA).
Em 1995, após retornar do doutorado, o pesquisador Domingo Haroldo Reinhardt foi o responsável pela instalação de algumas quadras demonstrativas, com o apoio do técnico agrícola José Jorge, hoje aposentado. A equipe cresceu e incluiu os pesquisadores aposentados Getúlio Cunha, Luiz Francisco Souza, José Renato Cabral e Otávio Almeida, além de Aristóteles Matos e Nilton F. Sanches, ainda em atividade, e dos assistentes Benedito Conceição e Antônio Pereira, também aposentado. “Na época, eram cerca de 50 hectares e 20 produtores em todo o município e se plantava abacaxi debaixo da sombra da mandioca, com manejo rudimentar. Predominavam a pecuária extensiva, típica do sertão, com baixa produtividade, e o cultivo da mandioca, que já recebia a atenção da equipe de pesquisa da Embrapa”, salienta Alves.
Ao contrário dos produtores de Coração de Maria, os itaberabenses adotaram rapidamente algumas tecnologias fundamentais, como adensamento do plantio e amontoa [ato de retirar terra da entrelinha em direção aos abacaxizeiros, o que estimula o desenvolvimento de raízes nas plantas, arejando o solo e dando maior sustentação], e aprimoraram outras, como adubação, controle do mato e de pragas, indução floral e manejo da soca [exploração racional do segundo e do terceiro ciclos, prática que era característica na região]. “Logo depois, a cultura começou a crescer, dando retorno econômico muito significativo e bastante estável ao longo dos anos”, afirma Haroldo Reinhardt.
Guerra contra a fusariose
Em 2008, a incidência da fusariose cresceu fortemente no município. “Como o abacaxi Pérola é suscetível à fusariose, foi um processo descontrolado, a cultura foi se expandido e a doença também. Na fase crítica, mobilizamos as instituições e conseguimos vários avanços”, relata Haroldo.
“Naquela época não havia uma ação sistemática de fiscalização, mais efetiva. Fomos nos organizando, construindo essa fiscalização, e começamos a ver a necessidade de uma portaria sobre as mudas”, explica Thais Monteiro, fiscal estadual agropecuária da Adab. “Antes disso, já trabalhávamos as inspeções fitossanitárias. Fomos cadastrando os produtores, fazendo uma espécie de inquérito fitossanitário, e georreferenciando as áreas. Tanto que conseguimos chegar a um pequeno mapa das áreas com cultivo na região. Depois dessa fase, a organização do Grupo Gestor do Abacaxi nos facilitou a ação pra conter a disseminação da fusariose”, analisa.
A portaria 286, de 23 de julho de 2008, criada com a colaboração da Embrapa e da EBDA estabelecia o índice limite de 5% de infestação na propriedade. “Acima disso não aprovaríamos a venda e o transporte de mudas. Fazíamos uma estimativa da quantidade de mudas daquela área que era inspecionada, lançávamos no cadastro e passamos a acompanhar a comercialização. Isso foi importante. Nós ficávamos com esse estoque registrado. À proporção que o produtor comercializava, a gente dava baixa no estoque. Tinha validade a partir da data da inspeção. As mudas com o aval da Adab fornecem uma garantia. Felizmente, os produtores aceitaram bem e o processo foi muito tranquilo. Fomos até em assentamentos onde tinha cultivo, mobilizamos as associações, como ainda fazemos, fizemos as práticas em campo, mostrando os sintomas e aliamos ao uso correto dos agrotóxicos registrados para a cultura”.
Os dados são lançados no Sistema de Integração Agropecuária (Siapec) e para transportar as mudas, é gerado um documento — a Permissão Interna de Trânsito de Vegetais (PITV) —, válido para todo o estado da Bahia. Uns 15 dias antes de colher os frutos e gerar as mudas, o produtor vai até o escritório da Adab buscar o fiscal para a inspeção do pomar.
“Já tentamos usar mudas micropropagadas, mas elas vêm muito tenras e têm dificuldade de adaptação ao semiárido. O problema não é a quantidade de muda, mas o manejo. A muda que temos aqui é suficiente para a região”, assegura Alberto. A Embrapa já realizou experimentos com o BRS Imperial, resistente à fusariose, mas ele não se adaptou bem à região porque depende de irrigação. “É fundamental o trabalho de melhoramento genético da Embrapa ter continuidade para se conseguir obter uma variedade resistente que se adapte a Itaberaba”, completa.
Agricultura familiar
Antônio de Santana Santos foi um dos primeiros produtores parceiros da Embrapa no município. “Eu aprendi a plantar abacaxi com a Embrapa. Um pessoal fez um trabalho de campo e eu ia como curioso. Comecei me entusiasmando e plantando. Antes do abacaxi a gente ficava ‘pendengando’, trabalhando fora. Eu tenho um trator que vivia trabalhando mais para terceiros do que para mim. Com o abacaxi não, ele fica mais na garagem; na minha necessidade, eu pego e faço o serviço”, explica.
Para ele, a tecnologia mais importante indicada pelos pesquisadores foi o espaçamento. “A gente adotava dez mil pés por tarefa, hoje a gente coloca 15 mil, 17 mil. A plantação estava muito espaçada. Adensado produz mais e a qualidade do fruto é maior porque evita a queima já que a palha do abacaxi serve de cobertura para o fruto. Pulverização, adubação, curva de nível, subsolação, um monte de coisa a gente aprendeu”.
Outra técnica que ele destaca é a indução floral, que pode antecipar as épocas de floração e colheita do abacaxizeiro. “Melhora até para a cooperativa escalonar a produção, porque aí vai levar mais tempo colhendo e a gente não se aperta”, diz. “Eu tenho 20 anos nesse ramo e não sei plantar ainda, sempre tem uma novidade no ano seguinte. E as tecnologias ficam mudando todo dia, principalmente os fertilizantes e os produtos químicos e tem que fazer pesquisa. Não pode usar diretamente, tem que fazer uns trabalhos, uns experimentos, esperar os resultados, a gente demora dois, três plantios e pronto”, conclui Santana.
Manoel da Cruz Santos, do povoado de Couro Seco, é um exemplo de agricultor familiar também adepto da indução floral. “A gente trabalha aqui com três pessoas, só que no tempo do plantio tem que contratar gente. São vizinhos, em média 20 pessoas, num período curto, de 60 dias. A gente aqui faz mais ou menos um intervalo de 15 dias de uma quadra para outra. Deve ter em torno de umas seis induções diferentes, em épocas diferentes para poder colher”, detalha. Filho de produtor, Manoel credita a sua permanência no município ao cultivo do abacaxi. “Meu pai trabalhava com mandioca, melancia, tinha uma casa de farinha, mas era só mesmo para sobreviver, porque é uma região muito quente. Se não fosse o abacaxi, talvez eu não estivesse nem em Itaberaba. Meus irmãos saíram daqui, foram para São Paulo, ficaram mais de 15 anos lá, mas depois que o abacaxi melhorou a situação aqui, voltaram”.
Um dos irmãos a que ele se refere é Adriano Cruz Santos, que viveu em Araras (SP) de 1992 a 2008, trabalhando em marcenaria, multinacional de alimentos e empresa de ônibus. “O abacaxi mudou minha vida. É melhor do que quando eu estava lá, com certeza. Aqui, estou perto da minha família e dos amigos que eu tinha aqui. Outra cultura resistente como a do abacaxi, acho difícil. Ele agrega muita gente, muita família se sustenta através dele”, frisa.
Monocultura
Para Alberto Alves, a monocultura do abacaxi sempre foi uma preocupação. “Como alternativa, conduzi um trabalho de pesquisa usando a palha do abacaxi como reserva estratégica para gado de leite. A palha do abacaxi era tão boa quanto a palma, só que o produtor tinha que plantar e cultivar a palma, mas o abacaxi ele já tinha. São várias vantagens: outra fonte de renda, trabalho o ano inteiro e diminuir o índice de fusariose, já que retiraria a palha e destruiria todo o resto da cultura. Na seca, foi o que manteve o gado em Itaberaba.
Ruy Barbosa, município vizinho, perdeu 70% do rebanho e Itaberaba só perdeu 15%, e o clima é muito pior para pastagem. Teve muita gente ganhando dinheiro e muito gado se manteve graças ao abacaxi de Itaberaba. Fizemos um levantamento durante a campanha de vacinação e soubemos onde foi a redução menor”, exemplifica. O trabalho foi interrompido com a extinção da EBDA.
As recomendações técnicas desenvolvidas após anos de estudos em parceria da Embrapa com a EBDA e os produtores da região foram reunidas no primeiro sistema de produção, denominado “Cultura do Abacaxi na Região de Itaberaba, em Condições de Sequeiro”, elaborado em 2004 e revisado em 2011. O sistema aborda todas as etapas do plantio, desde a escolha do terreno até a colheita e comercialização dos frutos, com destaque para tecnologias sustentáveis de manejo do mato e conservação do solo e manejo integrado de pragas e doenças. (Léa Cunha/Da Agência Embrapa de Notícias)